sexta-feira, 11 de abril de 2014

Das coisas que eu entendo


Estou ouvindo "Das coisas que eu entendo", do Nenhum de Nós.
Para mim, essa não é apenas mais uma música linda. Ela reflete muito bem o meu constante estado de espera. Não sou a pessoa que espera de mãos atadas, eu apenas espero as coisas que estão fora do meu alcance, aquelas sobre as quais não exerço absolutamente nenhum controle, mas quero. 

"Meus dias se passavam rápido como um sonho, e você disse que eu saberia facilmente como chegar onde eu queria"

E cá estou. Onde eu queria.
E é fato: os dias se passaram muito rápido. 
O tempo voou. 
Mas durante meu estado de espera, não imaginei, nem por um segundo, que estivesse esperando, de fato.
Era só o nervosismo, mesmo. E vamos deixar assim, não pretendo manchar minhas lembranças com realidades amargas.

"Bem que eu podia ser mais bonita. Talvez mais jovem. Ou talvez nada disso fosse mesmo adiantar"

Eram momentos passageiros. Pequenas crises existenciais. Nada disso me tornou menos amável, em tempo algum. 
Sei que fiz um ou outro sofrer – sou tão santa quanto os que me lêem, sei como é não querer parecer egoísta e ao mesmo tempo não se ver em condições de abrir mão de alguma coisa, ou alguém. Tenho memória que me condena também. Mas como ninguém é obrigado a fazer prova contra si mesmo, vou pular esta parte.
Tenho uma relação de amor e ódio com a música – tanta coisa que gostaríamos de esquecer. A música sempre traz de volta. E às vezes ela evidencia meu estado de espera.
Você já deve ter conhecido alguém que fez coleção de prints. Só porque gostaria de morar num determinado momento, se possível, para sempre. Eu também não sabia que esperava pelo conto de fadas. Mas quem não espera, ainda que secretamente?
Meus recortes têm valor inestimável – eu posso não ser amada para sempre, mas tenho a lembrança do momento em que me senti tão desejada quanto a própria vida. Espero que os telefones ainda me permitam ver esses recortes bobos daqui a cinqüenta anos, se até lá minha nave não estiver de volta.
A besteira das lembranças é que elas em geral têm fundo musical. E aqui estamos novamente sendo sugados de volta para o passado (tanto faz se remoto ou não).
Não ajuda quando você tem a árdua missão de tirar alguém de sua vida.
“Nos livros, nos seus discos, vou entrar na sua roupa”
Isso é verdade!
O cheiro da pessoa fica tão impregnado em nós que parece um vírus. E onde está o antídoto? Não existe. Há situações em que apenas se aprende a conviver com a existência de um sentimento que até enfraquece, mas nunca morre.
Hoje, correndo o risco de ter sua vida plenamente invadida pelo outro, não acho tão legal olhar as páginas das redes sociais. Quero ter as minhas próprias histórias quando estiver olhando nos olhos de alguém. Não quero ler a mensagem de fulano, nem ver a foto de quando estávamos em mundos completamente distintos. Eu sou “old school”. Prefiro ouvir e desejo de coração acreditar no que chega a mim. São pessoas, e eu gosto do toque. Eu gosto da sonoridade. Odeio imagens congeladas exceto por aquelas que eu mesma recortei.
Nem todos os anos e nem todas as lágrimas me fizeram deixar de ter um coração idiota. Idiota, cego e com memória seriamente seletiva.
Um dia eu cansei. Cansei de ser a garota sexy, a arroz de festa. Cansei da alegoria. Porque depois da diversão, das noites em Vegas, eu chegava em casa e continuava só. E é quando a solidão te joga contra a parede e te derruba no cantinho do quarto que você se dá conta de que continua esperando pelo pequeno milagre que nunca vem. Ora, certas coisas não estão destinadas a nós, simplesmente. Mas eu gosto de acreditar naquilo que me soa mais agradável. Não sou obrigada a aceitar verdades frias, ou sou?
Pois bem.
Quando cansei, foi de tudo.
Foi de uma vez.
Aboli os relacionamentos – inclusive os esporádicos e “one-night-stands”.
Nos últimos anos, deixei de comparecer aos encontros. Deixei de achar justo. Lembro que da última vez, eu havia acabado de desembarcar no Brasil, e ele estava a caminho do aeroporto, voltando para a Alemanha. Pensei: “dane-se. Quero ficar longe do mundo. Dos homens.”
Então fiz questão de que este último encontro não acontecesse. E pouco importava o que ele ia pensar – eu não sei até hoje, porque nunca mais nos falamos.
Só me dei conta do tamanho do vazio quando, num esforço inimaginável, parei diante do espelho e confrontei a pessoa horrorosa do lado de lá.

"Então foi nisso que você se transformou?" 

Como culpar alguém por não me amar quando eu mesma não era capaz? Onde estava a mulher que eu costumava ser?
Eu havia me transformado numa “jovem senhora” sem graça e quase careta. Que fazia piadas no escritório, na mesa do bar, mas ia para casa sozinha. Assistia House ou Nurse Jackie com um par de comprimidos nas mãos e uma long neck na outra. Patética. Solitária. Esquisita.
Eu não era mais eu.
Não queria compartilhar as aventuras das minhas viagens pela Europa. Não queria falar sobre quão fantásticos os anos tinham sido. Eles nem tinham mais graça.

Certo dia, vi-me numa foto de trabalho, era uma feira de negócios. Diante daquela pessoa extremamente “senhora dona de casa, mãe, super responsável”, pensei honestamente em desistir de tudo. Não era eu. Aquilo era quase uma quarentona sem esperanças.
Tinha que parar o barco.
Só não havia um excelente motivo. As borboletas.
As malditas borboletas haviam me abandonado há anos. Lá, quando eu desisti de sofrer.
Meu estômago estava ocupado com gastrites, ele não tinha tempo de criar borboletas.
Até que num dia desses de absoluta correria na frente do computador, uma mensagem me alertou que fulano de tal havia comentado numa foto minha. Mas que coisa. Fiz como de costume um print da tela, porque parecia mentira.
Podia ser pegadinha. Ele devia estar fazendo uma piada de extremo mal gosto. Quem é que mexe com pessoas que estão vivendo suas vidinhas normais sem incomodar ninguém?
As pessoas não simplesmente ressurgem.
Não quando você já tomou a decisão de repelir qualquer forma de contato.
Ele devia pensar em garotas loucas, mas talvez eu não fosse tão louca. Ou fosse louca do nível sanatório. Daquelas que precisa às vezes de camisa de força.
Senti que tinha o direito à resposta e respondi. Pronto.
“Se eu pular do trem, então... Quer dizer que você me pega? Até parece. Mas não deixa de ser uma delícia pensar que isso pudesse mesmo acontecer...”
E adivinha quem lembrou que tinha coração?
De repente, eu queria ser eu outra vez.
Queria fazer justiça à minha fama de rebelde. Aos anos sendo rotulada de ovelha negra. Eu quis tudo que sempre foi meu. Não só o lado cômico. Eu quis ser a garota sexy. Só pra ouvi-lo dizer que eu era.
Dualidades a parte, neguei. Neguei e ainda nego que possa estar apaixonada.
Quanta negação idiota. E perda de tempo. A gente tem que agradecer aos momentos de pequenas felicidades porque eles nos trazem de volta. Alguma forma maior que eu me deu coragem suficiente para pensar “ou você vai até ele ou você simplesmente não merece que ele te veja de uma forma tão bonita.”
Momentos de pequena felicidade, estes pequenos milagres que esperamos sem dizer palavras não acontecem sem sofrimento. Talvez o meu pequeno milagre não esteja sequer procurando a garota sexy. Talvez ele até já tenha encontrado alguém para carregar consigo por toda a vida. Eu sei que posso ser o que eu quiser, mas sentir a própria maturidade e força de atração quando o brilho que nasce com a chegada deste pequeno milagre acontece, isso por si só já é um inestimável presente. Pode ser que ele precise de mim. Pode ser que eu precise dele.
Ainda que não façamos a menor ideia, ambos estamos recebendo ajuda.

Às vezes esperamos tanto tempo e nem temos ideia do que estamos esperando. Talvez isso seja um tipo de amor. E por que não?