sábado, 27 de outubro de 2012

O que Annie disse - Capítulo 1 - One day in your life

Capítulo 1 - One day in your life



Este poderia ser mais um post sobre qualquer bobagem. Ou apenas mais um daqueles textos cansativos sobre como venho me esforçando nos últimos anos para conseguir manter o equilíbrio em minha vida. Só que não. Há dias venho sentindo um incômodo muito grande, é como se eu precisasse parar aqui um pouco e me deixar levar pelas palavras. Eu sei sobre o que quem vou escrever, mas não faço ideia de como isso vai terminar. 

Tudo começou quando eu ouvi a música "One day in your life", do Michael Jackson. Música do início da carreira solo, final dos anos setenta. Eu nem tinha nascido, ele já era um ídolo internacionalmente conhecido. 
Tendo mencionado este detalhe com respeito a data da música, há que se imaginar que a ouvi num daqueles programas de rádio de sábado de manhã: "O melhor do flash back". Eu devia ter uns oito ou nove anos, não me lembro com exatidão. Fato é que, em meados de 1990, eu estava começando a olhar com mais afinco o mundo ao meu redor. Estava então com sete anos, cheia de vontade de descobrir tudo. 

Sempre tive meu universo particular, e no meu mundinho, eu era o centro das atenções. De quando em quando acabo escrevendo um texto que faz referência ao fato ter preferido meu mundo à realidade mais do que deveria. Quem não? 
Ao ouvir pela primeira vez uma música que te chama atenção, como você reage? 
Eu peguei a caneta mais próxima, uma folha de caderno e fique com a orelha colada à caixa de som, esperando o locutor dizer o nome do "artista". Depois peguei uma fita cassete gravável (mesmo quando era uma fita "original", eu colava durex nos dois pontos de cima que eram abertos para não permitir gravação e detonava com os hits das novelas preferidas da minha mãe - SEMPRE fiz isso) e fazia plantão. 

Quando ele dissesse o nome, eu anotaria, depois ligaria na rádio para pedir "bis". Eu fiz tanto isso! E aquela deve ter sido uma das primeiras vezes. Não deu certo logo de cara, porque aquele programa tinha todas as músicas pré selecionadas, então não seria possível repetir a música, mas havia outra coisa que a rádio podia fazer por mim: durante as madrugadas, aquela rádio tinha um programa de músicas românticas, então combinei que iria ligar para pedir aquela música. Aí deu certo. Consegui gravar "One day in your life", do Michael Jackson!


Então agora eu sabia o nome do artista e também o nome da música. Faltava-me foto. Disco. Eu precisava ligar o nome à pessoa. 
Devo lembrá-los que a religião dos meus pais à época não permitia televisores nas residências, de modo que não tínhamos um. Eu não sabia como era ter TV em casa. Quando queria assistir um desenho animado, ia pra casa da minha vizinha, mas ela era mais nova que eu, então jamais saberia quem diabos era Michael.


Minha mãe tinha alguns amigos numa das rádios de Americana (Notícia FM), vez ou outra eles iam até a sorveteria da qual ela era proprietária e administradora. Pedi a ela que me ajudasse a encontrar mais músicas através daqueles amigos. Ela me contou que o Michael era negro, que cantava com os irmãos dele, que faziam muito sucesso. Daí conheci Ben, I'll Be There, Stop The Love You Save, entre outras. Mas ainda não tinha visto a pessoa. 

Naquela época, se você queria saber sobre seu artista preferido, você podia:
1 - Assistir TV
2 - Vasculhar bancas de revista atrás do seu cantor.
E foi então que começou a minha saga.
Para minha surpresa, Michael Jackson era simplesmente lindo. Um rosto incomum, traços marcantes, sobrancelha em V (sempre fui apaixonada por sobrancelhas bem desenhadas), roupa excêntrica, e, de algum modo, mesmo ali naquela cara de malvado, havia uma ingenuidade no sorriso que me deixou abobada. Estamos falando de uma das fotos de divulgação do álbum BAD, mas eu ainda não fazia ideia da existência deste. Aquela não era uma edição nova da revista, na verdade, estava num plastico junto com uma edição mais recente. Mas nem por isso ela deixava de ser muito interessante para mim. 

Comprei, é claro. Era uma revista Bizz (de letras traduzidas e matérias musicais), com Michael na capa. Hoje, quem tem, pode ter certeza, tem um tesouro nas mãos!

Revista Bizz de 1987, hoje raríssima, ainda bem preservada.

Mesmo naquela época, era muita informação. Eu sabia que aquilo seria somente o começo de algo que parecia não ter fim. Eu estava definitivamente gostando demais de cada nova imagem, de cada novo som. E queria mais, muito mais.
Continuei a saga da busca nas bancas, e comprei muita coisa. Às vezes cabulava aula e passava as manhãs rodando outros bairros atrás de mais material. À noite, esperava ansiosa pelo locutor, ele já me conhecia. Eu sempre ia pedir mais Michael Jackson. Era ainda mais gostoso quando ele traduzia as letras ao vivo. Eu ficava imaginando como seria fantástico conseguir entender o que Michael cantava. 

Não fiquei imaginando muito tempo, porque logo depois, no final de 1991, eu fui pra escola de Inglês. Meu curso era VIP, então ficávamos eu e o professor fechados na sala sem pronunciar nenhuma palavra no meu idioma nativo. Confesso que às vezes eu queria morrer de raiva, porque no início não entendia quase nada. As mímicas ajudavam muito, e àquela altura, eu já tinha pilhas de revistas de letras traduzidas. Uma das revistas, tinha a música "Give In To Me". Eu já tinha conseguido gravar em fita cassete graças às madrugadas românticas da Notícia FM, mas, mais do que nunca, eu precisava ter meu disco! Comprei o Dangerous poucos meses depois do lançamento e ele era meu amor maior. Meu primeiro disco! Era muita alegria.


LP Dangerous


Para minha total felicidade, o disco era duplo e as subcapas eram forradas com as letras de todas as músicas! Naquele fim de ano, meus pais compraram um aparelho televisor de 14". O que para nós estava de excelente tamanho. Eu finalmente ia poder apreciar meu ídolo em performances de vídeo. O que no mundo poderia ser melhor que isso? 

Do Dangerous ao Off The Wall foi uma questão de dias. E lembro de achar tão incrível como uma pessoa conseguia mudar tanto de aparência e mesmo assim continuar linda. Era um dom dele. Só dele. E os videoclipes curtas? O que dizer deles? De tirar o fôlego, no mínimo. 

Meu pai surpreendeu a todos nós quando nos comprou um videocassete. Agora tínhamos quase tudo que uma família normal precisava. E eu finalmente poderia ter meu amor em vídeos para sempre. 
Em 1992, se você quisesse assistir aos videoclipes mais populares, tudo que precisava fazer era sintonizar na Record. Eles tinham um programa vespertino chamado Kliptonita (apresentado por Serginho Caffé). 

Assim, dois anos antes eu não tinha nada. E agora, minha coleção crescia a olhos vistos, e eu ainda tinha oportunidade de todas as tardes gravar pelo menos um clipe novo
Certa vez, um daqueles amigos radialistas da minha mãe, conhecido pelo estranho nome de Jonacir, foi até a sorveteria. Ele estava ouvindo um diskman (que era como um walkman, só que com CD)!! Aquilo era muito hi-tech pra mim. 
Quando ele mostrou o CD que estava ouvindo, foi como se tivesse me dado choque. 
Era o BAD!

Então o CD tinha um visual muito mais moderno, e eu queria demais ter um daqueles, mas nem aparelho pra tocar CD eu tinha... então não resolveria muito o problema. Sem contar que, apesar de ser muito mais charmoso, o encarte do CD era bem menor que o LP. E isso me chateava. Fotos do Michael para mim era bom assim: bem, bem grandes. 
Eu tinha muitos posters, todos pendurados na parede, algo bem parecido com o que a minha filha tem hoje:

Parede do quarto da minha filha Bethânia, foto atual.

Aos poucos, fiquei bem conhecida no meu bairro. Eu já era meio popular por causa do estabelecimento comercial bem movimentado da minha mãe, agora quem passasse pela sorveteria, certamente se veria obrigada a ouvir duas ou três músicas do Michael, ou mais, dependendo do período de tempo que ficassem ali. 
Todos se acostumaram com isso. E se a pessoa fosse minha amiga, eventualmente acabaria gostando do Michael também. Foi o que aconteceu com a Ludmila Tozzi (hoje advogada, não sei se já é juiza). A mãe dela assinava a revista VEJA, e sempre saia alguma nota do Michael na página "Gente". 

Nós recortávamos e adicionávamos à pasta de fotos. 
Lembro que morria de ciume da Brooke Shields. Minha amiga Ludmila e eu carinhosamente a apelidamos de Bru Shilda (leia-se bruxilda, de bruxa). Ela era linda, mas nem por isso tinha o direito de sair de mãos dadas com Michael. Eu alimentei um ciume que me deixava quase louca. Não conseguia sair de casa sem levar minha pasta. E minha carteira. E meu boné. E minha camiseta. E quase todos os meus discos.

Sim, era exatamente desse jeito que funcionava. 
Quando não tinha outro jeito, eu trancava todas as coisas dentro do meu guarda-roupa, num espaço que batizei de "Santuário Michael Jackson".

Nessa mesma época eu conheci a Viviane Coelho, outra fã. Ela parecia gostar mesmo muito do Michael, o que para mim significava que eu poderia falar dele com ela o dia todo sem ter que me preocupar em parecer cansativa. Agora eu tinha várias amigas tão loucas quanto eu: Adelaide Félix, Ludmila Tozzi, Viviane Coelho. Já éramos quatro. Embora Ludmila fosse um pouco mais reservada, e a mãe dela jamais fosse permitir que ela saísse de casa comigo para procurar "conteúdo" na cidade, ela sempre guardava tudo que encontrava e entregava a mim. Ela sabia que eu cuidaria com o maior amor do mundo. Outra coisa que ela e sua família faziam muito bem era grava vídeos em VHS. Dito isso, acho que a essa altura eu já tinha um arsenal de vídeos do Michael: entrevistas, curtas, documentários, minisséries e muito mais.

A Viviane era quatro anos mais velha que eu, e isso preocupava um pouco a minha mãe. Eu só precisava estudar, garantir que minhas aulas de Inglês dessem resultado... E às vezes ajudava minha mãe na sorveteria: quando ela queria almoçar, ou antes de abrir, nós ajudávamos na limpeza das mesas, cadeiras, troca de água dos potinhos com conchas, etc. Era divertido, e crescer sabendo que sua mãe é dona do estabelecimento que era considerado o sonho de consumo de todas as crianças que eu conhecia só me deixava ainda mais orgulhosa.

Com Viviane por perto, eu parecia querer ganhar asas. Minhas saídas ficaram mais constantes e havia também o problema do uso do telefone de casa. A Viviane adorava ligar num número que falava coisas sobre nosso signo, e o custo as ligações era altíssimo. Eu comecei a sentir medo do momento em que meus pais recebessem a fatura, eles ficariam furiosos. Porém, também não sabia dizer não à ela. Era mais forte que eu. Contei das aulas de Inglês, né? Pois bem. Só que isso era eu. E meu curso era caríssimo para a época, então eu avançava a largos passos enquanto a maioria dos meus amigos continuava sem entender muita coisa. Inclusive a Viviane, cujo apelido era Vivi.

Ela ficou deslumbrada com meu álbum Dangerous tanto ou até mais do que eu. Também pudera, a capa tinha um visual simplesmente fantástico: você podia ficar horas analisando, ainda teria algum novo detalhe a ser observado. Quem desenhou a capa deve ter sido premiado em sua categoria, pois o trabalho ficou sensacional. O problema do álbum para Vivi, imediatamente percebi, era o fato de que os dois discos que compunham o álbum vinham encapados em papel impresso com todas as letras das músicas.

O que para mim parecia o paraíso, já que finalmente conseguiria entender o que Michael cantava, para Vivi era um pesadelo, porque ela nutria esperanças de que Michael estivesse dizendo seu nome em "Who Is It". O refrão da música diz:
"Who is it?
Is it a friend of mine?
Who is it?
Is it my brother?
Who is it?

No mundo de Vivi, Michael na verdade dizia:
"Oh Vivi!
Is it a friend of mine?
Oh Vivi!
Is it my brother?"

Foi quando tivemos nossa primeira discussão. Ela me achou metida demais porque eu podia dizer que Michael mencionava meu nome inúmeras vezes em "Smooth Criminal" e agora afirmava categoricamente e embasada em fatos que não poderiam ser contraditos que não havia a menor chance de Michael ter dito seu nome em qualquer música.

Quando todas as preocupações do seu mundo se resumem a estudar pra prova, trocar água dos potinhos de conchas e colecionar material do Michael, essas atividades passam a ser consideradas de fundamental importância. E eu tinha a responsabilidade de zelar por aquilo que havia consumido demais meu tempo para conseguir. Vivi estava se tornando um problema, eu via que em alguns momentos, coisas que eu tinha certeza de já ter adquirido por alguma razão não estavam mais no santuário. A coisa se agravou especialmente depois que recebemos a fatura do telefone. Fui proibida de vê-la e não achei isso tão ruim.

A vida seguia tranquilamente e de vez em quando eu explodia de alegria, como quando soube que Michael viria ao Brasil com a turnê Dangerous. Seria o evento dos sonhos. O grande momento. E aconteceu de tudo na passagem dele por aqui. Fechou o Playcenter para brincar com sua equipe, um dos carros de sua comitiva atropelou um jovem fã totalmente sem intenção e Michael surpreendeu a todos indo visitá-lo no hospital. Isso rendeu muita matéria para todos os canais de comunicação, eu só podia ficar feliz. Todo fã acha que conhece Michael como se ele fosse seu melhor amigo. Eu não era diferente. Para mim, Michael ter ido ao hospital só mostrava com maior nitidez a personalidade fantástica dele, a despeito de comentários maldosos que sempre pairavam, eu permanecia com a fé intacta. 

Foi mais ou menos nessa época que Jordy Chandler o acusou de abuso sexual e o mundo ficou chocado. Agora, quando eu saía atrás de material, só me deparava com notícias ruins. Felizmente, nenhum desses boatos foi capaz de tirar o brilho daqueles shows de Michael, e São Paulo encheu o estádio do Morumbi com nada menos que oitenta e cinco mil pessoas. Eu ouvi a transmissão do show pelo rádio, porque meus pais não quiseram me levar. Espero que eles tenham se arrependido amargamente, porque eu vou carregar esse arrependimento comigo pro resto da vida. 

Ver as manchetes dos jornais e revistas relatando momentos incríveis do show só me deixou ainda mais apaixonada. Durante essa passagem de Michael pelo Brasil, a Revista Contigo publicou uma matéria especial sobre ele. A capa da revista: Michael Jackson e Xuxa! Fim do mundo. Anos mais tarde a Xuxa diria numa entrevista que Michael a pediu em casamento. BS.


Capa da revista Contigo! de 1993 com Michael e Xuxa.

Quando minha mãe apareceu com essa revista em casa, eu tive um chilique. Meu pai me "agarrou" para que eu não voasse pra cima da revista a ponto de correr o risco de rasgá-la, de tanta emoção. Isso aconteceu há dezesseis anos, mas está tão fresco na minha memória que dá a sensação de ter sido ontem. Acho que é esse o efeito que ele causa nas pessoas. É tão marcante que é como se ficássemos congelados no tempo. 

Eu era uma fã muito prendada, estava feliz da vida porque, apesar de não ter ido ao show, tinha conseguido reunir tanto material que devo ter visto mais coisas do que quem estava lá de verdade. Tentava imaginar como seria estar no meio de tanta gente. Quem pode dizer que esteve num show de Michael Jackson certamente é muito sortudo. Especialmente os brasileiros. A pessoa com certeza ainda tem o ingresso do show, a camiseta que usou no dia... Pelo menos é assim com todas as pessoas com as quais já conversei a respeito. Estive na Áustria recentemente e conheci uma mulher muito simpática que trabalha na mesma empresa que eu, só que lá na matriz, em Teufenbach. Susanne Leitner é tão simpática que se eu pudesse, fazia ela se mudar para o Brasil. É muito normal ouvir que os europeus são pessoas frias. Tive muita sorte, porque os europeus que conheci e com os quais fiz amizade, todos eram são pessoas incríveis, deliciosas. Susanne esteve num show de Michael na Alemanha, e vi seus olhos mareados enquanto mostrava os pelos dos braços arrepiados, descrevendo o momento em que Michael entrava no palco e começava a cantar "Ja