Estou ouvindo "Das coisas que eu
entendo", do Nenhum de Nós.
Para mim, essa não é apenas mais uma
música linda. Ela reflete muito bem o meu constante estado de espera. Não sou a
pessoa que espera de mãos atadas, eu apenas espero as coisas que estão fora do
meu alcance, aquelas sobre as quais não exerço absolutamente nenhum controle,
mas quero.
"Meus dias se passavam rápido como um
sonho, e você disse que eu saberia facilmente como chegar onde eu queria"
E cá estou. Onde eu queria.
E é fato: os dias se passaram muito
rápido.
O tempo voou.
Mas durante meu estado de espera, não
imaginei, nem por um segundo, que estivesse esperando, de fato.
Era só o nervosismo, mesmo. E vamos deixar
assim, não pretendo manchar minhas lembranças com realidades amargas.
"Bem que eu podia ser mais bonita.
Talvez mais jovem. Ou talvez nada disso fosse mesmo adiantar"
Eram momentos passageiros. Pequenas crises
existenciais. Nada disso me tornou menos amável, em tempo algum.
Sei que fiz um ou outro sofrer – sou tão
santa quanto os que me lêem, sei como é não querer parecer egoísta e ao mesmo
tempo não se ver em condições de abrir mão de alguma coisa, ou alguém. Tenho
memória que me condena também. Mas como ninguém é obrigado a fazer prova contra
si mesmo, vou pular esta parte.
Tenho uma relação de amor e ódio com a música
– tanta coisa que gostaríamos de esquecer. A música sempre traz de volta. E às
vezes ela evidencia meu estado de espera.
Você já deve ter conhecido alguém que fez
coleção de prints. Só porque gostaria de morar num determinado momento, se possível,
para sempre. Eu também não sabia que esperava pelo conto de fadas. Mas quem não
espera, ainda que secretamente?
Meus recortes têm valor inestimável – eu posso
não ser amada para sempre, mas tenho a lembrança do momento em que me senti tão
desejada quanto a própria vida. Espero que os telefones ainda me permitam ver
esses recortes bobos daqui a cinqüenta anos, se até lá minha nave não estiver
de volta.
A besteira das lembranças é que elas em
geral têm fundo musical. E aqui estamos novamente sendo sugados de volta para o
passado (tanto faz se remoto ou não).
Não ajuda quando você tem a árdua missão
de tirar alguém de sua vida.
“Nos livros, nos seus discos, vou entrar
na sua roupa”
Isso é verdade!
O cheiro da pessoa fica tão impregnado em
nós que parece um vírus. E onde está o antídoto? Não existe. Há situações em
que apenas se aprende a conviver com a existência de um sentimento que até
enfraquece, mas nunca morre.
Hoje, correndo o risco de ter sua vida
plenamente invadida pelo outro, não acho tão legal olhar as páginas das redes
sociais. Quero ter as minhas próprias histórias quando estiver olhando nos
olhos de alguém. Não quero ler a mensagem de fulano, nem ver a foto de quando
estávamos em mundos completamente distintos. Eu sou “old school”. Prefiro ouvir
e desejo de coração acreditar no que chega a mim. São pessoas, e eu gosto do
toque. Eu gosto da sonoridade. Odeio imagens congeladas exceto por aquelas que eu
mesma recortei.
Nem todos os anos e nem todas as lágrimas
me fizeram deixar de ter um coração idiota. Idiota, cego e com memória
seriamente seletiva.
Um dia eu cansei. Cansei de ser a garota
sexy, a arroz de festa. Cansei da alegoria. Porque depois da diversão, das
noites em Vegas, eu chegava em casa e continuava só. E é quando a solidão te
joga contra a parede e te derruba no cantinho do quarto que você se dá conta de
que continua esperando pelo pequeno milagre que nunca vem. Ora, certas coisas não
estão destinadas a nós, simplesmente. Mas eu gosto de acreditar naquilo que me
soa mais agradável. Não sou obrigada a aceitar verdades frias, ou sou?
Pois bem.
Quando cansei, foi de tudo.
Foi de uma vez.
Aboli os relacionamentos – inclusive os
esporádicos e “one-night-stands”.
Nos últimos anos, deixei de comparecer aos
encontros. Deixei de achar justo. Lembro que da última vez, eu havia acabado de
desembarcar no Brasil, e ele estava a caminho do aeroporto, voltando para a
Alemanha. Pensei: “dane-se. Quero ficar longe do mundo. Dos homens.”
Então fiz questão de que este último
encontro não acontecesse. E pouco importava o que ele ia pensar – eu não sei até
hoje, porque nunca mais nos falamos.
Só me dei conta do tamanho do vazio
quando, num esforço inimaginável, parei diante do espelho e confrontei a pessoa
horrorosa do lado de lá.
"Então foi nisso que você se
transformou?"
Como culpar alguém por não me amar quando
eu mesma não era capaz? Onde estava a mulher que eu costumava ser?
Eu havia me transformado numa “jovem
senhora” sem graça e quase careta. Que fazia piadas no escritório, na mesa do
bar, mas ia para casa sozinha. Assistia House ou Nurse Jackie com um par de
comprimidos nas mãos e uma long neck na outra. Patética. Solitária. Esquisita.
Eu não era mais eu.
Não queria compartilhar as aventuras das
minhas viagens pela Europa. Não queria falar sobre quão fantásticos os anos
tinham sido. Eles nem tinham mais graça.
Certo dia, vi-me numa foto de trabalho,
era uma feira de negócios. Diante daquela pessoa extremamente “senhora dona de
casa, mãe, super responsável”, pensei honestamente em desistir de tudo. Não era
eu. Aquilo era quase uma quarentona sem esperanças.
Tinha que parar o barco.
Só não havia um excelente motivo. As
borboletas.
As malditas borboletas haviam me
abandonado há anos. Lá, quando eu desisti de sofrer.
Meu estômago estava ocupado com gastrites,
ele não tinha tempo de criar borboletas.
Até que num dia desses de absoluta
correria na frente do computador, uma mensagem me alertou que fulano de tal
havia comentado numa foto minha. Mas que coisa. Fiz como de costume um print da
tela, porque parecia mentira.
Podia ser pegadinha. Ele devia estar
fazendo uma piada de extremo mal gosto. Quem é que mexe com pessoas que estão
vivendo suas vidinhas normais sem incomodar ninguém?
As pessoas não simplesmente ressurgem.
Não quando você já tomou a decisão de
repelir qualquer forma de contato.
Ele devia pensar em garotas loucas, mas
talvez eu não fosse tão louca. Ou fosse louca do nível sanatório. Daquelas que
precisa às vezes de camisa de força.
Senti que tinha o direito à resposta e
respondi. Pronto.
“Se eu pular do trem, então... Quer dizer
que você me pega? Até parece. Mas não deixa de ser uma delícia pensar que isso
pudesse mesmo acontecer...”
E adivinha quem lembrou que tinha coração?
De repente, eu queria ser eu outra vez.
Queria fazer justiça à minha fama de
rebelde. Aos anos sendo rotulada de ovelha negra. Eu quis tudo que sempre foi
meu. Não só o lado cômico. Eu quis ser a garota sexy. Só pra ouvi-lo dizer que
eu era.
Dualidades a parte, neguei. Neguei e ainda
nego que possa estar apaixonada.
Quanta negação idiota. E perda de tempo. A
gente tem que agradecer aos momentos de pequenas felicidades porque eles nos
trazem de volta. Alguma forma maior que eu me deu coragem suficiente para pensar
“ou você vai até ele ou você simplesmente não merece que ele te veja de uma
forma tão bonita.”
Momentos de pequena felicidade, estes
pequenos milagres que esperamos sem dizer palavras não acontecem sem
sofrimento. Talvez o meu pequeno milagre não esteja sequer procurando a garota
sexy. Talvez ele até já tenha encontrado alguém para carregar consigo por toda
a vida. Eu sei que posso ser o que eu quiser, mas sentir a própria maturidade e
força de atração quando o brilho que nasce com a chegada deste pequeno milagre
acontece, isso por si só já é um inestimável presente. Pode ser que ele precise
de mim. Pode ser que eu precise dele.
Ainda que não façamos a menor ideia, ambos
estamos recebendo ajuda.
Às vezes esperamos tanto tempo e nem temos
ideia do que estamos esperando. Talvez isso seja um tipo de amor. E por que não?