segunda-feira, 15 de junho de 2020

Vida Real



Quantos eventos em tão pouco tempo!
Em 2013, eu tinha uma mente sonhadora, um coração carente, e escrevia longos textos enquanto ouvia toda a playlist da Lana Del Rey. Esse tempo ficou para trás, eu consegui tirar meu cara dos sonhos das linhas escritas e trouxe para a realidade. Na verdade, eu queria, sim, desesperadamente, viver um romance.
A vida real não combina com o que a gente lê nos romances, com o que a gente imagina. A vida real sequer tem a playlist para cada momento, como os meus textos tinham. Ali, tudo se encaixava.
Na vida real, os dias viraram meses, e depois viraram anos, e no meio disso tudo eu conheci dor, conheci o contraste entre o normal e o anormal. Meus pequenos prazeres de antes, com as amigas, se tornaram um tormento em minha vida. 

Depois de quatro anos, eu já não era nem dez por cento da pessoa de antes. Já sofria de ansiedade desde bem pequena, mas agora era diferente. Agora eu sentia falta de mim, pois já não me reconhecia mais.
A senhorita super treinada, viajada, culta, de repente se vê vazia, não consegue mais se prender à uma leitura, não viaja mais, não curte mais nem as playlist's que eram tão bem elaboradas para cada hora e sentimento.
Quando você se perde, o caminho de volta pode e, em geral, é, muito longo e tempestuoso. Um passeio com as amigas, uma conversa franca com a própria filha, um churrasco com a família... Tudo se torna difícil.
Dois anos depois do meu divórcio, eu consegui escrever um único texto, mas possuo cadernos e mais cadernos que usei para escrever durante toda aquela fase, só que o medo de voltar naqueles sentimentos me impede de abri-los. Gostaria, sim, de colocar tudo de forma a seguir uma linha do tempo - desde quando começou tudo bem, até quando eu era só um poço de lágrimas rezando para que tudo terminasse logo. 
Quem tenta se matar no dia do próprio casamento?
Depois de tornar o dia mais feliz da minha vida em pesadelo, eu só queria dormir e não acordar nunca mais.
Quando vi meu cachorro ser espancado, me coloquei na frente dele e minhas mãos sangraram, porque tomei os socos que ele ia tomar. 
Se ele se lembra? Não. Ou só diz que precisava "educar seu cachorro".
Os meus cães não eram acostumados com aquilo. Eu nunca fui tratada assim por nenhum homem que tenha feito parte em algum momento da minha vida.
Como tudo isso se desfaz?
Como você faz para esquecer disso e lembrar das outras coisas boas? 
Eu tenho dito ultimamente que minha memória já não é a mesma por conta de todos os remédios que tomo para ficar em pé durante o dia, e conseguir dormir durante a noite.
É sério - eu estou perdendo minhas lembranças e quero recordá-las pois me trariam alegria.
Trabalhei por seis meses no ano de 2019 com uma médica veterinária que era um amor de pessoa, e ela estava ciente de que eu tinha crise de ansiedade, crise de pânico, ela entendia.
Mas, cada animalzinho que eu via morrer, dilacerava meu coração. Eu fui ficando cada vez mais sensível às mortes, às eutanásias, e em determinado momento, minha medicação acabou. Eu ainda não tinha dinheiro pra comprar, e foi o filho dela quem notou que eu estava diferente, parecia tensa, parecia outra Annie, não aquela que ele estava acostumado a ver. 
Ela me convidou a participar de um coaching, se você o conhece, saiba que eu o desejo o melhor, mas não foi o melhor para mim naquele momento. 
Rogério Menossi. O curso dele, de dois dias, me deixou pior ainda. Quando ele disse: 
"Cada um tem aquilo que merece", eu morri, ali mesmo.
Não, não é possível. Eu não mereci nada daquilo. Não mereci nenhum soco, nenhum tapa, nenhuma crise de pânico, não mereci nenhum medo de morrer. Eu não queria me expor e voltar naquele passado. 
Essas palavras ecoaram por dias em minha mente, até que eu entrei numa verdadeira crise de ansiedade e tive que falar com meu médico - eu não conseguia voltar ao trabalho. Ele me deu dez dias para ficar em casa. Quando voltei, com toda a razão, ele decidiu me demitir.
Mas foi generosa, humana e eu sempre a amarei por ter me respeitado até o último momento e nunca ter deixado de cumprir com a sua lealdade. À ela, seus familiares e seu trabalho, eu desejo paz e sucesso.
E, não podia deixar de mencionar aqui, a pessoa que fez tudo isso acontecer: minha amiga, minha veterinária que me colocou lá dentro, Isabela Padovani. Eu tenho infinito respeito e valorizo demais seu trabalho, você sempre será o anjo da guarda dos meus filhos de quatro patas. Amo sua habilidade, compaixão, amizade, e amo a sua dedicação.
Perdi então o emprego. 
Voltei a fazer faxinas, porque não me sentia mais capaz de me apresentar em uma empresa tão perdida quanto estava.
Eu era excelente com comércio exterior, era excelente com outros idiomas, era excelente com o meu trabalho, mas cadê essa pessoa?
Ela tinha medo de entrevista.
Tinha medo de ser julgada.
Tinha medo de sofrer preconceito por ter estado fora do mercado de trabalho - na área que amava - há quase cinco anos.
Criei forças para criar uma lista de clientes para atender durante a semana.
Fiz da faxina o meu ganha pão, mas sentia profunda tristeza por ter deixado aquele currículo que nunca teve parada, de repente largado pelos cantos.
Eu via os grupos postando "vaga disso", "vaga daquilo", mas o meu currículo nunca era selecionado.
As pessoas querem te ajudar à maneira delas, mas nem sempre funciona.
Como vou explicar para a empresa que sou sensível? Que tenho traumas? Que lido com eles diariamente?
De todos os trabalhos que fiz, nenhum me causa arrependimento. Tive quem me estendeu a mão quando todo mundo se fechou em casa em quarentena e eu não pude trabalhar.
Fui chamada para free-lance em outra empresa, achei que era para fazer faxina, mas, para minha surpresa, era para trabalhar sentada mesmo ali na frente do computador, eu só precisava digitar bem e digitar rápido, não errar, e ir aprendendo.
Tudo começou realmente bem, eu sentia o carinho das pessoas por mim, mas meus problemas me trouxeram insegurança, medo de não ser aceita. E tenho tentado lidar - com os medos, frustrações e essa angústia de estar sempre a um passo de cometer um erro, um erro que eu não quero e não posso cometer.
Meu desejo é que isso passe. Que eu passe por cima disso, e consiga me superar e trazer meu verdadeiro eu de volta, para mostrar que não menti em nenhum momento sobre a minha vida profissional. 
Como eu era - Eu me busco todos os dias quando vou dormir e ao acordar. Às vezes não me encontro e vou em frente, sigo porque sei que desistir não está em mim. 
Sigo o mantra: "VAI, E SE DER MEDO, VAI COM MEDO MESMO"
A vida daqueles que sofrem com lembranças de traumas, daqueles que precisam se manter devidamente medicados para lidar com o dia a dia não é nada fácil.
Que o mundo veja as pessoas com mais amor, empatia.
Que o mundo entenda que queremos dar o nosso melhor.
Seja como for, seja onde for.

Aos que leram, muito obrigada.