Estava viajando. Já havia passado pelo que posso chamar de
maior terror do mundo – doze intermináveis horas dentro de um avião cercada de
estranhos que não falavam o meu idioma.
Às vezes eu entendia o que o comandante falava quando
passava do francês ao inglês, mas ainda assim, era agonizante.
Então, enquanto a agonia consumia todo o meu apetite e fazia
o álcool das garrafinhas de vinho que tomei sem hesitar evaporarem de alguma
forma dentro de mim, eu pensava no preço que tinha que pagar para realizar um
dos grandes sonhos que nutri, apesar de toda a bagunça que tinha sido minha
vida na altura dos vinte e cinco anos.
Imaginava o quanto aquelas pessoas chiques haviam se
preparado para finalmente descerem lindas e ricas do avião – deviam ter
dinheiro pra caramba. Eu, coitada! Emprestei casacos, calças de inverno,
toucas, botas, emprestei quase tudo.
Levei algumas centenas de euros, um cartão de crédito e a fé
de que ainda que eu tivesse que trocar o almoço pela janta, faria isso na
cidade luz. Eu trocaria o almoço pelo jantar em Paris.
Nunca fomos de família rica. Eu não podia e nem tinha
dinheiro pra gastar. Mas havia algo que eu sabia fazer muito bem: sentar,
observar e escrever.
Era uma noite gelada e úmida. Estava a alguns degraus de
tocar a água congelante do Rio Sena com uma bolsa imensa repleta de toda sorte
de utensílios.
Peguei um caderninho que havia comprado no aeroporto e
vasculhei até encontrar a caneta que me fizera companhia durante a viagem de
ida.
Ao longe, via a roda gigante toda iluminada. Ela era a
personificação do romantismo. Não sei dizer se as pessoas que formavam aquela
fila imensa para um passeio de uma volta lenta naquele objeto estavam em busca
de fortes emoções ou apenas queriam ser tomadas pela emoção de viver um momento
de extremo romantismo. Se fossem amigos, provavelmente se lembrariam daquela
noite com poemas, frases de autores famosos escritas sobre as fotos tiradas nas
diversas alturas da roda gigante. Essas pessoas tinham tanta sorte com seus
sorrisos imensos. Foi quando me dei conta de que estive durante muito tempo
sozinha demais para pensar em amor, mas precisava, ainda que inconscientemente,
acreditar que tudo isso passaria. Como meu medo de voar. De não dar conta do
recado, de não saber o que fazer quando algo der errado. Eu estou em minha própria
montanha russa. Claro!
Voei de volta, depois voei outras vezes e prometi que nunca deixaria
de fazer mais nada por medo. Eu certamente cederia às tentações com mais freqüência
e o único detalhe que permaneceria como estava era o meu coração no que dizia
respeito a deixar outro homem entrar. Até que a hora certa, se é que existe
isso, chegasse.
Quando estou no banco do passageiro com as mãos suadas,
vendo o velocímetro marcar uma velocidade bem maior que a permitida, fecho os
olhos e penso: estou alta o suficiente para morrer sem sentir pena de não viver
mais? Porque amo tanto a vida!
Quero a loucura que me permita inspirar e expirar sem
cessar. Quero ter a coragem dos pára-quedistas. Mas quero viver também. E
talvez, a grande sacada da vida seja justamente o fato de que o meu prazo de
validade aqui é contado e a única coisa que meu medo fará por mim é eliminar
duas ou três grandes oportunidades de sentir a adrenalina consumindo cada célula
do meu corpo. Seriamente, eu preciso pensar com mais carinho e afinco a esse
respeito.
Troquei a cerveja pela vodca e descobri que prefiro vodca
com guaraná. E três pedras de gelo.
Fico alta por prazer. Porque quero ficar bem alta. Senão
tomaria só o guaraná.
Aquelas pessoas felizes da roda gigante de repente não são
de modo algum mais felizes do que eu com minha vida simples. Há esse cara que
me aguarda do lado de fora com óculos escuros e pose de bad boy. E eu amo vê-lo
ali quando encerro meu expediente. Porque então começa outra parte do meu dia –
a que eu sei que será, de verdade, uma roda gigante. E eu vou rir, chorar,
gritar, silenciar, fotografar, postar, comentar. Farei tudo que sentir vontade,
porque sei que serei tomada por todo tipo de emoções. Com doses ordinárias de
vodca. Desculpem. Eu não sei mais como é pedir desculpa por abrir o coração.