sábado, 27 de outubro de 2012

O que Annie disse - Capítulo 1 - One day in your life

Capítulo 1 - One day in your life



Este poderia ser mais um post sobre qualquer bobagem. Ou apenas mais um daqueles textos cansativos sobre como venho me esforçando nos últimos anos para conseguir manter o equilíbrio em minha vida. Só que não. Há dias venho sentindo um incômodo muito grande, é como se eu precisasse parar aqui um pouco e me deixar levar pelas palavras. Eu sei sobre o que quem vou escrever, mas não faço ideia de como isso vai terminar. 

Tudo começou quando eu ouvi a música "One day in your life", do Michael Jackson. Música do início da carreira solo, final dos anos setenta. Eu nem tinha nascido, ele já era um ídolo internacionalmente conhecido. 
Tendo mencionado este detalhe com respeito a data da música, há que se imaginar que a ouvi num daqueles programas de rádio de sábado de manhã: "O melhor do flash back". Eu devia ter uns oito ou nove anos, não me lembro com exatidão. Fato é que, em meados de 1990, eu estava começando a olhar com mais afinco o mundo ao meu redor. Estava então com sete anos, cheia de vontade de descobrir tudo. 

Sempre tive meu universo particular, e no meu mundinho, eu era o centro das atenções. De quando em quando acabo escrevendo um texto que faz referência ao fato ter preferido meu mundo à realidade mais do que deveria. Quem não? 
Ao ouvir pela primeira vez uma música que te chama atenção, como você reage? 
Eu peguei a caneta mais próxima, uma folha de caderno e fique com a orelha colada à caixa de som, esperando o locutor dizer o nome do "artista". Depois peguei uma fita cassete gravável (mesmo quando era uma fita "original", eu colava durex nos dois pontos de cima que eram abertos para não permitir gravação e detonava com os hits das novelas preferidas da minha mãe - SEMPRE fiz isso) e fazia plantão. 

Quando ele dissesse o nome, eu anotaria, depois ligaria na rádio para pedir "bis". Eu fiz tanto isso! E aquela deve ter sido uma das primeiras vezes. Não deu certo logo de cara, porque aquele programa tinha todas as músicas pré selecionadas, então não seria possível repetir a música, mas havia outra coisa que a rádio podia fazer por mim: durante as madrugadas, aquela rádio tinha um programa de músicas românticas, então combinei que iria ligar para pedir aquela música. Aí deu certo. Consegui gravar "One day in your life", do Michael Jackson!


Então agora eu sabia o nome do artista e também o nome da música. Faltava-me foto. Disco. Eu precisava ligar o nome à pessoa. 
Devo lembrá-los que a religião dos meus pais à época não permitia televisores nas residências, de modo que não tínhamos um. Eu não sabia como era ter TV em casa. Quando queria assistir um desenho animado, ia pra casa da minha vizinha, mas ela era mais nova que eu, então jamais saberia quem diabos era Michael.


Minha mãe tinha alguns amigos numa das rádios de Americana (Notícia FM), vez ou outra eles iam até a sorveteria da qual ela era proprietária e administradora. Pedi a ela que me ajudasse a encontrar mais músicas através daqueles amigos. Ela me contou que o Michael era negro, que cantava com os irmãos dele, que faziam muito sucesso. Daí conheci Ben, I'll Be There, Stop The Love You Save, entre outras. Mas ainda não tinha visto a pessoa. 

Naquela época, se você queria saber sobre seu artista preferido, você podia:
1 - Assistir TV
2 - Vasculhar bancas de revista atrás do seu cantor.
E foi então que começou a minha saga.
Para minha surpresa, Michael Jackson era simplesmente lindo. Um rosto incomum, traços marcantes, sobrancelha em V (sempre fui apaixonada por sobrancelhas bem desenhadas), roupa excêntrica, e, de algum modo, mesmo ali naquela cara de malvado, havia uma ingenuidade no sorriso que me deixou abobada. Estamos falando de uma das fotos de divulgação do álbum BAD, mas eu ainda não fazia ideia da existência deste. Aquela não era uma edição nova da revista, na verdade, estava num plastico junto com uma edição mais recente. Mas nem por isso ela deixava de ser muito interessante para mim. 

Comprei, é claro. Era uma revista Bizz (de letras traduzidas e matérias musicais), com Michael na capa. Hoje, quem tem, pode ter certeza, tem um tesouro nas mãos!

Revista Bizz de 1987, hoje raríssima, ainda bem preservada.

Mesmo naquela época, era muita informação. Eu sabia que aquilo seria somente o começo de algo que parecia não ter fim. Eu estava definitivamente gostando demais de cada nova imagem, de cada novo som. E queria mais, muito mais.
Continuei a saga da busca nas bancas, e comprei muita coisa. Às vezes cabulava aula e passava as manhãs rodando outros bairros atrás de mais material. À noite, esperava ansiosa pelo locutor, ele já me conhecia. Eu sempre ia pedir mais Michael Jackson. Era ainda mais gostoso quando ele traduzia as letras ao vivo. Eu ficava imaginando como seria fantástico conseguir entender o que Michael cantava. 

Não fiquei imaginando muito tempo, porque logo depois, no final de 1991, eu fui pra escola de Inglês. Meu curso era VIP, então ficávamos eu e o professor fechados na sala sem pronunciar nenhuma palavra no meu idioma nativo. Confesso que às vezes eu queria morrer de raiva, porque no início não entendia quase nada. As mímicas ajudavam muito, e àquela altura, eu já tinha pilhas de revistas de letras traduzidas. Uma das revistas, tinha a música "Give In To Me". Eu já tinha conseguido gravar em fita cassete graças às madrugadas românticas da Notícia FM, mas, mais do que nunca, eu precisava ter meu disco! Comprei o Dangerous poucos meses depois do lançamento e ele era meu amor maior. Meu primeiro disco! Era muita alegria.


LP Dangerous


Para minha total felicidade, o disco era duplo e as subcapas eram forradas com as letras de todas as músicas! Naquele fim de ano, meus pais compraram um aparelho televisor de 14". O que para nós estava de excelente tamanho. Eu finalmente ia poder apreciar meu ídolo em performances de vídeo. O que no mundo poderia ser melhor que isso? 

Do Dangerous ao Off The Wall foi uma questão de dias. E lembro de achar tão incrível como uma pessoa conseguia mudar tanto de aparência e mesmo assim continuar linda. Era um dom dele. Só dele. E os videoclipes curtas? O que dizer deles? De tirar o fôlego, no mínimo. 

Meu pai surpreendeu a todos nós quando nos comprou um videocassete. Agora tínhamos quase tudo que uma família normal precisava. E eu finalmente poderia ter meu amor em vídeos para sempre. 
Em 1992, se você quisesse assistir aos videoclipes mais populares, tudo que precisava fazer era sintonizar na Record. Eles tinham um programa vespertino chamado Kliptonita (apresentado por Serginho Caffé). 

Assim, dois anos antes eu não tinha nada. E agora, minha coleção crescia a olhos vistos, e eu ainda tinha oportunidade de todas as tardes gravar pelo menos um clipe novo
Certa vez, um daqueles amigos radialistas da minha mãe, conhecido pelo estranho nome de Jonacir, foi até a sorveteria. Ele estava ouvindo um diskman (que era como um walkman, só que com CD)!! Aquilo era muito hi-tech pra mim. 
Quando ele mostrou o CD que estava ouvindo, foi como se tivesse me dado choque. 
Era o BAD!

Então o CD tinha um visual muito mais moderno, e eu queria demais ter um daqueles, mas nem aparelho pra tocar CD eu tinha... então não resolveria muito o problema. Sem contar que, apesar de ser muito mais charmoso, o encarte do CD era bem menor que o LP. E isso me chateava. Fotos do Michael para mim era bom assim: bem, bem grandes. 
Eu tinha muitos posters, todos pendurados na parede, algo bem parecido com o que a minha filha tem hoje:

Parede do quarto da minha filha Bethânia, foto atual.

Aos poucos, fiquei bem conhecida no meu bairro. Eu já era meio popular por causa do estabelecimento comercial bem movimentado da minha mãe, agora quem passasse pela sorveteria, certamente se veria obrigada a ouvir duas ou três músicas do Michael, ou mais, dependendo do período de tempo que ficassem ali. 
Todos se acostumaram com isso. E se a pessoa fosse minha amiga, eventualmente acabaria gostando do Michael também. Foi o que aconteceu com a Ludmila Tozzi (hoje advogada, não sei se já é juiza). A mãe dela assinava a revista VEJA, e sempre saia alguma nota do Michael na página "Gente". 

Nós recortávamos e adicionávamos à pasta de fotos. 
Lembro que morria de ciume da Brooke Shields. Minha amiga Ludmila e eu carinhosamente a apelidamos de Bru Shilda (leia-se bruxilda, de bruxa). Ela era linda, mas nem por isso tinha o direito de sair de mãos dadas com Michael. Eu alimentei um ciume que me deixava quase louca. Não conseguia sair de casa sem levar minha pasta. E minha carteira. E meu boné. E minha camiseta. E quase todos os meus discos.

Sim, era exatamente desse jeito que funcionava. 
Quando não tinha outro jeito, eu trancava todas as coisas dentro do meu guarda-roupa, num espaço que batizei de "Santuário Michael Jackson".

Nessa mesma época eu conheci a Viviane Coelho, outra fã. Ela parecia gostar mesmo muito do Michael, o que para mim significava que eu poderia falar dele com ela o dia todo sem ter que me preocupar em parecer cansativa. Agora eu tinha várias amigas tão loucas quanto eu: Adelaide Félix, Ludmila Tozzi, Viviane Coelho. Já éramos quatro. Embora Ludmila fosse um pouco mais reservada, e a mãe dela jamais fosse permitir que ela saísse de casa comigo para procurar "conteúdo" na cidade, ela sempre guardava tudo que encontrava e entregava a mim. Ela sabia que eu cuidaria com o maior amor do mundo. Outra coisa que ela e sua família faziam muito bem era grava vídeos em VHS. Dito isso, acho que a essa altura eu já tinha um arsenal de vídeos do Michael: entrevistas, curtas, documentários, minisséries e muito mais.

A Viviane era quatro anos mais velha que eu, e isso preocupava um pouco a minha mãe. Eu só precisava estudar, garantir que minhas aulas de Inglês dessem resultado... E às vezes ajudava minha mãe na sorveteria: quando ela queria almoçar, ou antes de abrir, nós ajudávamos na limpeza das mesas, cadeiras, troca de água dos potinhos com conchas, etc. Era divertido, e crescer sabendo que sua mãe é dona do estabelecimento que era considerado o sonho de consumo de todas as crianças que eu conhecia só me deixava ainda mais orgulhosa.

Com Viviane por perto, eu parecia querer ganhar asas. Minhas saídas ficaram mais constantes e havia também o problema do uso do telefone de casa. A Viviane adorava ligar num número que falava coisas sobre nosso signo, e o custo as ligações era altíssimo. Eu comecei a sentir medo do momento em que meus pais recebessem a fatura, eles ficariam furiosos. Porém, também não sabia dizer não à ela. Era mais forte que eu. Contei das aulas de Inglês, né? Pois bem. Só que isso era eu. E meu curso era caríssimo para a época, então eu avançava a largos passos enquanto a maioria dos meus amigos continuava sem entender muita coisa. Inclusive a Viviane, cujo apelido era Vivi.

Ela ficou deslumbrada com meu álbum Dangerous tanto ou até mais do que eu. Também pudera, a capa tinha um visual simplesmente fantástico: você podia ficar horas analisando, ainda teria algum novo detalhe a ser observado. Quem desenhou a capa deve ter sido premiado em sua categoria, pois o trabalho ficou sensacional. O problema do álbum para Vivi, imediatamente percebi, era o fato de que os dois discos que compunham o álbum vinham encapados em papel impresso com todas as letras das músicas.

O que para mim parecia o paraíso, já que finalmente conseguiria entender o que Michael cantava, para Vivi era um pesadelo, porque ela nutria esperanças de que Michael estivesse dizendo seu nome em "Who Is It". O refrão da música diz:
"Who is it?
Is it a friend of mine?
Who is it?
Is it my brother?
Who is it?

No mundo de Vivi, Michael na verdade dizia:
"Oh Vivi!
Is it a friend of mine?
Oh Vivi!
Is it my brother?"

Foi quando tivemos nossa primeira discussão. Ela me achou metida demais porque eu podia dizer que Michael mencionava meu nome inúmeras vezes em "Smooth Criminal" e agora afirmava categoricamente e embasada em fatos que não poderiam ser contraditos que não havia a menor chance de Michael ter dito seu nome em qualquer música.

Quando todas as preocupações do seu mundo se resumem a estudar pra prova, trocar água dos potinhos de conchas e colecionar material do Michael, essas atividades passam a ser consideradas de fundamental importância. E eu tinha a responsabilidade de zelar por aquilo que havia consumido demais meu tempo para conseguir. Vivi estava se tornando um problema, eu via que em alguns momentos, coisas que eu tinha certeza de já ter adquirido por alguma razão não estavam mais no santuário. A coisa se agravou especialmente depois que recebemos a fatura do telefone. Fui proibida de vê-la e não achei isso tão ruim.

A vida seguia tranquilamente e de vez em quando eu explodia de alegria, como quando soube que Michael viria ao Brasil com a turnê Dangerous. Seria o evento dos sonhos. O grande momento. E aconteceu de tudo na passagem dele por aqui. Fechou o Playcenter para brincar com sua equipe, um dos carros de sua comitiva atropelou um jovem fã totalmente sem intenção e Michael surpreendeu a todos indo visitá-lo no hospital. Isso rendeu muita matéria para todos os canais de comunicação, eu só podia ficar feliz. Todo fã acha que conhece Michael como se ele fosse seu melhor amigo. Eu não era diferente. Para mim, Michael ter ido ao hospital só mostrava com maior nitidez a personalidade fantástica dele, a despeito de comentários maldosos que sempre pairavam, eu permanecia com a fé intacta. 

Foi mais ou menos nessa época que Jordy Chandler o acusou de abuso sexual e o mundo ficou chocado. Agora, quando eu saía atrás de material, só me deparava com notícias ruins. Felizmente, nenhum desses boatos foi capaz de tirar o brilho daqueles shows de Michael, e São Paulo encheu o estádio do Morumbi com nada menos que oitenta e cinco mil pessoas. Eu ouvi a transmissão do show pelo rádio, porque meus pais não quiseram me levar. Espero que eles tenham se arrependido amargamente, porque eu vou carregar esse arrependimento comigo pro resto da vida. 

Ver as manchetes dos jornais e revistas relatando momentos incríveis do show só me deixou ainda mais apaixonada. Durante essa passagem de Michael pelo Brasil, a Revista Contigo publicou uma matéria especial sobre ele. A capa da revista: Michael Jackson e Xuxa! Fim do mundo. Anos mais tarde a Xuxa diria numa entrevista que Michael a pediu em casamento. BS.


Capa da revista Contigo! de 1993 com Michael e Xuxa.

Quando minha mãe apareceu com essa revista em casa, eu tive um chilique. Meu pai me "agarrou" para que eu não voasse pra cima da revista a ponto de correr o risco de rasgá-la, de tanta emoção. Isso aconteceu há dezesseis anos, mas está tão fresco na minha memória que dá a sensação de ter sido ontem. Acho que é esse o efeito que ele causa nas pessoas. É tão marcante que é como se ficássemos congelados no tempo. 

Eu era uma fã muito prendada, estava feliz da vida porque, apesar de não ter ido ao show, tinha conseguido reunir tanto material que devo ter visto mais coisas do que quem estava lá de verdade. Tentava imaginar como seria estar no meio de tanta gente. Quem pode dizer que esteve num show de Michael Jackson certamente é muito sortudo. Especialmente os brasileiros. A pessoa com certeza ainda tem o ingresso do show, a camiseta que usou no dia... Pelo menos é assim com todas as pessoas com as quais já conversei a respeito. Estive na Áustria recentemente e conheci uma mulher muito simpática que trabalha na mesma empresa que eu, só que lá na matriz, em Teufenbach. Susanne Leitner é tão simpática que se eu pudesse, fazia ela se mudar para o Brasil. É muito normal ouvir que os europeus são pessoas frias. Tive muita sorte, porque os europeus que conheci e com os quais fiz amizade, todos eram são pessoas incríveis, deliciosas. Susanne esteve num show de Michael na Alemanha, e vi seus olhos mareados enquanto mostrava os pelos dos braços arrepiados, descrevendo o momento em que Michael entrava no palco e começava a cantar "Ja
m". Estou dizendo: quando você gosta de uma pessoa como Michael, é diferente. Porque ele é completamente diferente, o mundo dele não é como o seu. As roupas, a voz, os trejeitos, a risada (inconfundível) dele é fantástica, assim como o sorriso. 

E, parando para analisar (coisa que passei anos fazendo), entendo que parte de sua beleza estonteante também mora no fato dele ter embranquecido (por conta de seus problemas dermatológicos - que fique muitíssimo bem claro). Por que, Annie? 
Porque, meu amigo, ele é negro. Certo? Ora, você sabe que negros possuem um gingado único. Eles têm os dentes mais lindos que eu já vi. E quando eles sorriem, em geral te fazem tremer as pernas. Negros bonitos param as multidões. As vozes deles também são melhores do que as dos demais. TUDO isso é FATO. Existem muitos brancos maravilhosos, mas todas as qualidades descritas acima foram atribuídas aos negros por mérito. Agora, tendo aceitado esse fato, e com o branqueamento de sua pele (ah, não venha me dizer que não conhece ninguém que "prefira a fase branca de Michael" - isso seria no mínimo mentira), o mundo ganhou um negro em pele de branco. Com o sorriso de negro que tanto amamos, com o gingado único de negros que queremos ver todo o tempo, com a voz macia dos negros dos corais que nos fazem chorar, com as roupas dos negros que sabem muito bem o valor que têm. Esse era o novo Michael. Ele se viu diante de um problema que julgou demasiadamente prejudicial para sua imagem. Falhas na pigmentação da pele causadas pelo vitiligo, feridas na pele (em especial na região das bochechas e nariz) por causa da lúpus, imagine se ele simplesmente aparecesse em público expondo tudo isso. Tente imaginar, meu amigo. Ouse. 

Agora não seja hipócrita. Você certamente diria: Nossa, como ele está feio.
E eu teria que concordar com você. Pessoas bonitas podem ficar feias dependendo do tipo de doença que as alcança. Ele tinha muitos espelhos em casa. O primeiro espelho era seu próprio pai, que dizia sempre que Michael tinha um nariz enorme. Então não é de se estranhar que a primeira cirurgia plástica tenha sido feita justamente no nariz. Michael não queria ser feio como o pai o julgava. Aliás, penso que Michael sempre se preocupou com o que o pai pensava a seu respeito. Sempre levou seus comentários a sério demais. E eu não sei até que ponto Joe Jackson chegou, mas já tive vontade de matá-lo diversas vezes (sem brincadeira, eu chorava de raiva do de Joe).

Percebeu-se a diferença (ainda que sutil) no rosto lindo de Michael a partir de Thriller. Seu nariz já estava mais fino. Quando Michael e Lionel Richie reuniram dezenas de cantores famosos para o projeto We Are The World - USA For Africa, o nariz dele já estava fininho, as sobrancelhas haviam sido modeladas decentemente (como disse, eu sou louca por sobrancelhas), de modo que Michael estava lindo, de fato.

Gravação de We Are The World
Michael Jackson e Lionel Richie na premiação de "We Are The World"



Novamente, meu amigo, não seja hipócrita: reconheça a beleza do homem. 
Para mim, pouco importava a cor dele. Branco ou negro, Michael era simplesmente fantástico e tudo nele - eu disse tudo - me agradava. Quando ele dava entrevistas, eu suspirava porque via ele mordendo o lábio inferior (tem uma entrevista que ele deu na época do lançamento de BAD que você pode ver ele fazendo isso o tempo todo, até chega a puxar uma pelinha de tanto que mordia), lambendo o beiço, rindo, tomando água ou suco... Eu pensava: Puxa vida, ele fala! (sim, sim, todo mundo achava que ele era uma espécie de divindade, vê-lo fazendo coisas comuns aos meros mortais fazia-nos sentir como se estivéssemos num lugar sagrado, e que de algum modo, éramos parecidos). 

Mesmo eu, fã incondicionada, tinha meus momentos de reflexão. Eu tentava imaginar a dureza de ser uma pessoa como ele, e me colocava na minha condição de apenas mais uma entre os milhões. Sabia que ele era um alvo inatingível, mas para estar na presença dele, não era exatamente necessário que ele estivesse lá em carne. Porque suas músicas me faziam fazem  viajar para muito longe.

Selecionei várias revistas de letras traduzidas, tinha tudo quanto é artista, em especial os que eram sucesso naquela época. Uma foto da Kylie Minogue me chamou a atenção. E pensei: aí está uma mulher que eu gostaria de ver ao lado de Michael. Ela é linda, simpática... vou pensar nisso. Pronto: eu já tinha um personagem para meus contos de fada com o Rei. Nunca ME imaginei nessas fantasias, porque eu era nova demais. Preferia contar a história de amor dele com a mulher do subúrbio que recebia suas visitas, dormia em sua cama e até era flagrado nu pelos pais da mocinha. Esses eram meus devaneios. E a Kylie protagonizava muito bem a namorada do ídolo que se disfarçava para chegar até ela e tinha ali a oportunidade de viver uma vida "real".

No fundo era o que eu desejava pra ele: que tivesse a oportunidade de apreciar as pequenas coisas da vida, já que em seu mundo tudo era muito grande, exposto, controverso. Ele merecia saber como era chegar na casa da namorada e a encontrar preparando um jantar romântico à luz de velas. E em meus sonhos escritos, eu dava isso a ele com muito amor, sem efetivamente participar do processo.

Kylie dizia o que eu diria se fosse adulta. Ela agia como eu bem desejava. 


Kylie Minogue, a "namorada perfeita"
Michael merecia o melhor. Eu bem poderia tê-lo colocado ao lado de Madonna, mas ela me parecia vulgar demais para a inocência do Rei. Michael não era dado à exposição sexual da qual Madonna se orgulhava tanto. O negócio dele era a dança, a música e as crianças. Definitivamente, eles não poderiam se conectar. Kylie, por sua vez, já era mais tranquila. Suas músicas não eram nem de longe famosas como as de Madonna, mas eu achava ela mais "pura". Até cheguei a gravar músicas dela como "I should be so lucky" e "I've Got To Be Certain" (e foi justamente essa última música que acabei conhecendo e aprendendo quando me deparei com a foto da mulher que se encaixaria perfeitamente com o perfil de Michael, ou com o que eu achava que era o perfil dele. Negros adoram loiras. Michael podia ser branco o quanto quisesse, mas sua alma ainda era negra, tão negra quanto a do James Brown. Portanto, Diana Ross nem pensar. Nem Whitney Houston. Teria que ser uma loira linda, jovem, com olhar inocente e ao mesmo tempo extremamente sexy, porque Michael era sexy ao extremo. Sua dança era quase uma dança de acasalamento. Ela emanava sexualidade. Mesmo assim, ele era tímido e parecia não ter muita noção do efeito devastador que provocava nas mulheres. Ele teria conseguido qualquer uma que desejasse. E talvez tenha conseguido, porque, afinal de contas, ele se casou com a filha do Rei do Rock.

Com a foto de Kylie ao lado de Michael, eu podia ir a qualquer lugar e fechar os olhos - a festa estaria garantida. 
Foi nesse embalo que fui com meus pais para Fortaleza - Ceará em 1994. Primeira viagem de avião em família. Meu pai estava acostumado, seu trabalho exigia que ele viajasse para outros países para acompanhar as feiras do setor dele, já que era projetista de máquinas têxteis, e naquela época, nossa cidade era considerada o maior polo têxtil da America Latina. 

Só tenho lembranças boas daquela viagem. Michael ia comigo para as praias, eu o vestia todas as tardes por cima do biquíni horroroso que estava na moda em 94, caminhava abraçada com a pasta de fotos, tirava o dinheiro da carteira que tinha Michael em imagens sobrepostas, mostrava com orgulho que eu era uma verdadeira fã do Rei. Minha família estava mais do que acostumada com minha obsessão, era apenas normal, eu me divertia assim e eles podiam ficar tranquilos enquanto o homem da minha vida fosse um cara que morava em outro continente, tinha idade para ser meu pai, era muito famoso e, portanto, inacessível. 

Ele era inacessível. Já os sósias... nem tanto! E foi lá em Fortaleza, lendo o jornal da cidade, que minha mãe soube que naquela noite haveria um show de um sósia mirim de Michael num restaurante a beira mar. Uau. Eu já sabia que ia ao show antes mesmo de implorar aos meus pais para me levarem. E é claro que fomos. Paulo Igor Alexandre Marques era uma gracinha. Na altura de seus treze anos, o menino arrebentava no moonwalk, se vestia igual a Michael e tinha os cabelos enrolados até os ombros, fazendo justiça à figura do Rei. E eu me senti no céu, literalmente. Minhas pernas estiveram trêmulas durante todo o espetáculo. No final do show, meus pais me incentivaram a pedir a ele que posasse para fotos ao meu lado. Pedido este que Paulo atendeu sem pensar, mostrando-se muito amável e educado.

Paulo Igor Alexandre Marques, durante o show "cover" de Michael Jackson em Fortaleza, CE, em 1994.


Trocamos endereço e telefone, até nos correspondemos algumas vezes, mas acabei perdendo contato com ele. Espero que esteja bem. E gostaria de saber se ele ainda é fã de Michael. Seria uma pena se não. Alô, Paulo Igor! Se estiver lendo, dê sinal de vida! 

Voltei para casa feliz da vida. 
Notícias bombásticas me aguardavam. Foi logo depois da viagem que soube que, em 26 de Maio de 1994, Michael havia se casado numa cerimônia secreta na República Dominicana com Lisa Marie Presley. O Rei do Pop havia se casado com a filha do Rei do Rock. União perfeita. 

Não era exatamente assim que eu via. Senti um ciume danado dela, porque Michael aparecia com Lisa em todos os lugares, sempre de mãos dadas. Eu não estava acostumada a vê-lo com a mesma mulher tantas vezes. Além do mais, agora Kylie teria que sair de cena. Eu já começava a imaginar o fim do namoro dos dois depois de uma briga, para dar continuidade com os contos, agora mencionando Lisa e a vida íntima dos dois.

Fiquei paralisada quando, em setembro de 1994, durante o MTV Video Music Awards, eles entraram no palco juntos, seguiram até a frente, bem perto do público e Michael disse algumas palavras sobre seu casamento, finalizando com "E pensar que ninguém imaginou que isso fosse durar". 

"O beijo", durante MTV VMA, em 1994.

Logo em seguida, agarrou Lisa e deu um beijo de tirar o fôlego. Depois os dois viraram de costas e saíram do palco, deixando eu e a multidão de presentes ensandecidos. Foi uma experiência completamente nova para os fãs, que estavam acostumados a ver um Michael Jackson mais recatado, especialmente no que dizia respeito à sua vida pessoal e seu relacionamento com as mulheres. 

Com Lisa, tudo isso havia mudado. Não sei qual é a opinião das outras pessoas, mas a meu ver, Lisa causou um impacto muito profundo na vida do Rei. Começo entendendo que, apesar de terem os dois crescido sob os holofotes, Lisa parecia ser mais forte que Michael. Ela era mais dura e direta com as palavras, e eu sentia desde sempre que Michael precisava ter alguém assim por perto. Era enojante assistir a algumas reportagens, com Michael recebendo tantas críticas, as acusações por abuso sexual contra ele pairavam no ar ainda, e o público ficou na eterna dúvida, uma vez que a seguradora de Michael preferiu fazer um acordo a ir além com o processo e inocentar Michael fazendo uso de provas substanciais de que ele nada havia feito de errado àquele garoto. Infelizmente, Michael nunca se recuperou desse baque. 

E esse casamento com Lisa, que hoje entendo ter realmente sido em partes planejado pela equipe de marketing de Michael em parceria com as idéias do oriente médio de um cheique sócio dele que na época estava depositando milhões de dólares numa das empresas de Michael, realmente existiu. 

Era nítido que eles estavam conectados. E as pessoas que realmente conheciam Michael sabiam disso porque ele era tímido e receoso demais para deixar alguém se aproximar tanto assim e com tamanha intimidade. Aquele beijo no MTV Video Music Awards não foi nada técnico, e ainda que tivesse sido esquematizado, não era próprio da natureza de Michael tamanha ousadia, especialmente envolvendo uma terceira pessoa, no caso, Lisa Marie.

Mas, um pouco antes disso, Michael estava prestes a lançar um novo álbum, HIStory. E eu contava os dias para o lançamento. Finalmente havia chegado o dia em que eu teria um álbum recém lançado do homem da minha vida. Trabalhava na sorveteria durante toda a semana e ia juntando os trocados até ter dinheiro suficiente para comprar meu LP. Este foi um dos momentos mais especiais para mim. Acompanhar o lançamento, gravar tudo que saia sobre ele na televisão, ter tudo gravado, cada segundo de notícia, cada revista com matéria de qualquer tamanho. Eu estava coletando materiais dias após dias. 

Meu santuário ficou pequeno para tanto material. Doei gentilmente mais um espaço do armário para Michael e fiquei só com a prateleira debaixo para minhas coisas pessoais. Ele merecia. O casamento dele com Lisa também. E agora eu tinha esperanças de que as pessoas parariam de criticá-lo. O lançamento foi estrondoso. Estátuas dele foram espalhadas pelo mundo, era a mesma imagem da capa do LP, que por sinal era gigantesco. Um álbum "triplo", com um livreto dentro, com várias fotos dos arquivos pessoais de Michael e depoimentos de amigos e familiares dele, entre eles Elizabeth Taylor e a própria mãe de Michael, Katherine.

Preferi comprar o LP ao CD porque não queria ter as imagens em tamanho consideravelmente reduzido. Embora parecesse uma escolha pra lá de boba, fiz o que achei melhor e hoje, quando olho para meus LP's, sei que estou encarando preciosidades que valem dinheiro, e valerão mais ainda daqui a alguns anos, quando estes objetos se tornarem raríssimos. Mesmo que a Sony resolva relançar em alguma edição especial estes álbuns, a meu ver não terá o mesmo efeito das primeiras tiragens, das edições "originais". Portanto, eu reconheço o valor não apenas sentimental, mas também financeiro da minha coleção. E absolutamente não abro mão dela.

Michael estava promovendo HIStory e Lisa ia com ele para todos os eventos. Ela acompanhou toda a gravação do curta "HIStory" bem de perto, eles foram fotografados um milhão de vezes. No final da tarde de gravação, caminharam juntos pelas ruas na penumbra. Era uma cena linda de se ver. Todos os fãs de Michael àquela altura deveriam estar se borrando de orgulho. A aparência de Michael, embora mais branco do que nunca, estava ótima. Ele realmente parecia feliz. E era o que queríamos ver: um Michael Jackson realizado não apenas como profissional da arte, mas também e especialmente como ser humano. Repito: quero acreditar na verdade do casamento, mesmo que não tenha sido assim. 

HIStory tinha a obrigação de promover um Michael Jackson heterossexual, homem experiente, farto das publicações dos tabloides, e, acima de tudo, um ícone musical como nenhum outro. Portanto, o álbum cumpriu seu papel. Vimos Michael parcialmente nu com Lisa Marie no curta "You Are Not Alone", as massas deliravam e ainda deliram assistindo as cenas de um Michael timidamente risonho sendo provocado por Lisa, enquanto trechos dele sozinho num teatro cantando fazem as mulheres sofrerem de tanta vontade de dizer o mesmo a ele: You are not alone, I'm here with you, though you're far away, I am here to stay."
Céus, isso era bom, muito bom.

Continua... 
































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