quarta-feira, 4 de junho de 2014

O bom e o excelente

Lembro todos os dias quando o despertador me acorda às 5h30m da manhã que sou e sempre fui mãe solteira, apesar de um dia ter sido casada. Lembro que odeio esse rótulo.
E lembro que infelizmente não foi possível desempenhar bem dois papeis ao mesmo tempo – meu chefe costuma dizer: “Tem o excelente e tem o bom... Se não puder ser excelente, que seja bom. Já é um começo.”
Odiei ouvir isso nos primeiros meses. Achava, além de deselegante, absurdamente desmotivador. Mas o fato é que eu não tenho sido excelente.
Com muito esforço, sou boa.
Então ele talvez tenha razão. Eu quis ao menos ser boa mãe, e fazer as vezes de pai, quando a situação pedia. Só que eu não sei o que o pai faz.
Pai provê o sustento? Ok, eu faço.
Pai vai às reuniões escolares? Eu não sei. Alguns vão. E sempre que vejo um pai sentado na carteira do filho, sinto vontade de chorar.
Sinto vontade de morrer.
E um pedacinho do meu coração se acaba ali mesmo, diante do professor e daquele quadro verde velho.
Pai leva ao hospital. Sim, outro dia, eu e minha mãe aguardávamos meu atendimento no pronto socorro e eu vi um pai com sua filhinha de uns dois anos, a menina não parava quieta e enquanto ele corria atrás dela, contava pra nós (todos que estávamos sentados ali) sobre as travessuras dela com um sutil toque de orgulho, tipo “minha filha já faz tudo isso e nem tem dois anos ainda, sabem?”
Eu lembro que meu pai me fazia ajoelhar de manhã para a oração do Pai Nosso. E depois ele rodava a gente, enquanto cantava “hoje é domingo, pede cachimbo...”
Depois era hora de ir pra igreja – e eu só gostava mesmo porque era domingo, e domingo tinha macarrão, maionese e frango frito com coca-cola em casa. Era só esperar o culto terminar.
Não dei nada disso pra minha filha.
Eu não a poupei da ausência feroz de um pai – não porque ela não tenha um, pois tem. Mas, porque escolhi mal. Ou simplesmente não escolhi.
E lá se vai outro pedaço do meu coração.
Não tendo o pai para prover o sustento, levar ao hospital, ir às reuniões escolares, tudo isso coube a mim. Mas eu ainda precisava ser mãe.
Não teve jeito. Não alcancei a excelência. E sei que só serei lembrada como uma pseudo heroína quando daqui a cinqüenta anos, minha filha estiver contando pros netos dela sobre como a mãe dela deu duro para conseguir fazer as coisas acontecerem.
Fora isso, sou só mais uma mulher que faz o que milhões de mulheres fazem: dão o que têm pra dar. Tiram um rim, um pedaço do fígado, a retina, uma mão ou duas, um pé, uma perna, se precisar, tiram o próprio coração.
Não sei o que queremos dessa vida. Eu hoje, sendo bastante sincera, só queria ter a chance de cair num silêncio tão profundo quanto o Titanic no oceano.
Meu olhar deu aquela implorada por um abraço nas primeiras horas do dia. Mas olhos não falam direito o que a gente quer dizer, então digamos que eu tenha sido mal interpretada e soou como se eu fosse a criatura mais dramática do universo. Talvez eu seja.
Quando você não tem força pra espancar alguém, você grita. Ou chora.
Eu faço os dois.
E depois limpo os borrões de maquiagem, viro uma xícara de café e retoco o batom.
A vida pede... Não, acho que a vida exige. Porque ninguém dispõe de tempo hábil para tantas lamentações.
De qualquer forma, se tudo mais falhar, eu terei sido uma “boa” mãe... Uma dona de casa nota cinco, o que me faria passar de ano. Ou, no máximo, me deixaria de recuperação, mas aí eu capricharia mais. Sei lá. Se precisar, eu faço.


3 comentários:

Gostinho de açúcar disse...

Lendo esse texto meus olhos se encheram de lágrimas...porque eu também tenho que ser mãe,tenho que ser pai...e sei que por mais que eu tente, sempre vou estar falhando em alguma coisa...

Unknown disse...

Maravilhoso amiga. Eu sou prova viva de tudo isso que disse. Você é a verdadeira Pãe.

Unknown disse...

escancarando o coração..isso faz muito bem....me emocionei muito, pq a minha mãe viveu a sua história á 50 anos atrás...(mãe solteira) vc é ela, e eu sou a Be..isso á mais de 50 anos era "crime", imagine a luta contra tudo e todos, mas ela nunca desistiu e sempre guerreou, e eu nunca sequer olhei meu pai nos olhos pq ele nunca quiz ..muito triste isso, por isso, todas as mães que tem que ser pai e mãe, tem minha admiração extrema...Parabéns pelo texto