Embora estivesse feliz, não
conseguia sorrir. Estava muito emocionada e também não era capaz de chorar. Eu
sentia sua mão tocando meu rosto, sentia seu abraço me aquecendo, sentia sua
respiração. E penso que talvez minha mente e corpo só conseguissem mesmo se
concentrar na existência dele ali, ao meu lado. Eu não era capaz de mais nada
além de "senti-lo".
Adormecemos outra vez.
Enquanto amigos, éramos as
criaturas mais engraçadas e extrovertidas do planeta. Melhores amigos,
confidentes. Sabíamos tudo um do outro. Líamos nossos pensamentos, tínhamos o
hábito de um terminar a frase que o outro começou. Era fantástico ver nossa
afinidade, exceto pelo Creedence - ele amava. Eu detestava.
Fora isso, era como se tivéssemos
sido separados na maternidade.
Era o que eu sabia a respeito de
nós enquanto amigos.
Mas acabara de conhecer o homem
Monster, por trás do meu melhor amigo. Nem no passado cheguei tão longe. Quando
sua esposa descobriu sobre nós, nada ainda havia acontecido. Estávamos juntos,
mas mal nos tocamos. Agora era diferente, porque eu pude senti-lo de todas as
formas. Pude experimentar beijá-lo sem restrição alguma. O que houve naquela
madrugada a princípio me deixou aérea. Precisei de longas horas de sono e mais algumas
horas consciente para que meus pés voltassem a tocar o chão.
Já eram mais de duas da tarde
quando eu consegui abrir os olhos. Ele continuava ali do meu lado, estava
assistindo TV.
- Ah, você está viva? Que bom, eu
já ia ligar pedindo socorro.
- Hmmm.. Será que estou viva,
mesmo? Porque não pareço muito, não...
- Olhando assim, você parece bem
viva. Está com fome? Eu fiz café, espero que goste de café forte.
- Exatamente do que preciso agora.
Gênio!
- Hei! Não precisa sair da cama,
não. Eu pego o café pra você, dorminhoca.
Que amor, eu pensei. Indo buscar
café para mim, trazendo o café na cama. Fiz alguma coisa bem feita ontem.
- Obrigada... - sorri.
- Me deve essa, dona Boo.
Monster beijou minha bochecha e
logo se posicionou na cama novamente.
Eu queria falar sobre os eventos
daquela madrugada, mas não arriscaria iniciar um assunto "tão
delicado". Não conseguiria, entretanto, conter minha curiosidade por muito
tempo, me intrigava ele ter ido até o fim comigo. Sempre fomos cautelosos. Em
todos esses anos, nunca nos permitimos algo assim. Eu queria muito saber o que
o fizera mudar de ideia.
Suspirei e deitei a cabeça de volta
no travesseiro de penas. A chuva era um convite a permanecer na cama. E de mais
a mais, estávamos numa ilha - o que se há de fazer numa ilha, debaixo de chuva?
Eu nem sabia nadar. À mim só restava mesmo comer, beber e dormir.
A novidade é que ele estava ali
comigo e nossas atividades se tornaram repentinamente mais interessantes. Minha
cabeça rodava com os flashes da madrugada. Lembrava dele me encarando, de suas
mãos segurando meu ombro, de como ele afundou o rosto em meu pescoço inúmeras
vezes... Eu tinha que fechar os olhos. E quando abria, via seu rosto entretido
com a televisão.
Então era isso: eu parecia ter
morrido. Morri e devia, provavelmente, estar no céu.
- Você está com muita preguiça, né?
- Hmmm... Acho que sim.
- Se estiver com fome...
- Não. E se estivesse, a preguiça
ainda seria maior.
- Que horror, Boo!
- Eu lembro que você sempre disse
que cozinhava bem e sabia preparar peixe assado como ninguém. Então, eu posso
continuar aqui na cama, termino de ver o filme pra você e, enquanto isso, você
pode cozinhar pra gente. Sou uma excelente expectadora.
- Que graça!
- Que graça! - repeti, já
rindo.
- Mas se quer saber, é isso mesmo
que vou fazer. Vou deixar você de queixo caído com meu peixe assado.
- Hahahah... Isso aí, Monster!
Manda ver!
Ele estava de muito bom humor, em
outras palavras, eu teria seu sorriso, que era o melhor que havia nele pra se
ver, o dia todo.
Resolvi tomar um banho enquanto ele
dava início aos preparativos de nosso almoço. Continuava com os flashes.
“Meu deus,
meu deus... ah, Monster...”
Já tive outros momentos
inesquecíveis.
Enquanto a água quente caía sobre
meus ombros, lembrei de alguns rostos que marcaram minha vida com momentos
especiais. Eu fui muito amada. Era o que conseguia deduzir.
Estive em lugares incríveis, foram
tantas demonstrações lindas. E não era justo que eu dissesse que embora tivesse
experimentado momentos maravilhosos antes, aquele deveria ser o melhor – eu não
podia dizer isso. Ainda.
Nossa madrugada foi perfeita. Nada
de errado aconteceu. Mas, por outro lado, eu sabia que Monster não era, nunca
foi e provavelmente nunca seria apaixonado por mim – neste ponto, nossos
sentimentos eram incompatíveis. Não entendia suas razões para estarmos na ilha
– era, obviamente, um presente de aniversário e tanto. E era preciso um par de
loucos para criar um dia inesquecível. Mesmo nos meus sonhos, o que fiz de
melhor, fiz com alguém cuja alma era tão insana quanto a minha.
Já que tudo se transformou em surpresa, não me restava mais nada a não ser
deixar acontecer – como ele havia me pedido.
Se no final desses dias, tivéssemos
mais uma história, e isso era bem provável, eu ficaria no mínimo feliz.
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