(música: Das coisas que eu entendo, Nenhum de Nós)
Ilha de Cataguases - RJ |
Sob a luz do sol, a ilha era rica
em cores. Uma beleza natural de encher os olhos.
Deixei a cadeira onde a peguei, fiz
da manta uma espécie de poncho e segui, margeando a beira do mar. O ar frio da
manhã aos poucos ficava mais agradável.
Durante a caminhada, tentei
organizar os pensamentos. Revi as várias situações em que Monster havia
precisado de suporte – as crises que o vi ter, o modo como ele reagira, a
própria aceitação de sua condição – ele nem sempre lidara bem com o fato.
Mas nunca esteve sozinho. Mesmo
quando se esquivou de mim, ele ainda tinha alguém por perto. Tinha em quem se
apoiar.
Há algo que preciso dizer sobre meu
amigo e meu amor: ele sempre foi o irmão desinibido, o que aprontava mais, o
mulherengo, o que experimentou todas as drogas que foram colocadas diante dele.
Sempre amou a altura, a velocidade e o perigo. Soube aproveitar cada dia de
vida que lhe fora dado. E todas as pessoas ao redor dele podiam sentir essa
aura tão viva, era como um ímã. Monster atraía as pessoas para si com sua
alegria, sabia cativar, conquistar. Ele era o tipo certo de cara errado e qualquer
mulher que eu conheço teria sentido vontade de experimentar seu beijo. Eu o fiz
ainda bem nova, não pela curiosidade, mas porque na altura dos acontecimentos
da época, vi-me já completamente apaixonada por ele.
Só que desde sempre Monster fora
meu mar de decepções. Então, a única pessoa do meu circulo de amizades que o
aprovava era uma outra amiga – tão louca quanto eu.
Quem acompanhou minha história com
Monster jamais daria a bênção para a viagem que estávamos fazendo. Diriam que
eu perdi a cabeça de vez. Mas quando se tratava de Monster, era impossível
permanecer sã.
Ele era a personificação da
loucura. Meu tipo favorito de droga, embora tivéssemos usado outras drogas, juntos.
Nosso lema era “não dizer não para o que vida tem de bom”.
Vimos o dia amanhecer inúmeras
vezes, sentados à beira da praia, sob efeito de algum remédio ou simplesmente
cocaína.
Depois dele, precisei das mesmas
drogas para não ser capaz de sentir coisa alguma, tamanha era a saudade que
tinha de nossos momentos bons.
Para ele, eram apenas noitadas
muito boas, com direito a todos os excessos que fossem possíveis. Tudo que meu
dinheiro pudesse comprar para me deixar “mais louca”.
Parte de mim queria aquela alegria,
que antes era nossa. A outra metade só precisava esquecer do buraco imenso
dentro do coração desde que ele decidira se afastar.
Tanta coisa aconteceu, que era
difícil saber quando exatamente começamos a errar.
Provavelmente eu tenha mesmo
destruído nossas melhores chances sendo infantil, permitindo que meu ciúme me tornasse
cega. Eu nunca o tive de verdade, mas gostava da ilusão de ser parte importante
de sua vida, de forma que ninguém mais poderia ser: eu era seu outro lado, o
lado “fêmea”, a parte dele que foi separada, e vice-versa.
E fomos parar numa ilha, por razões
que ainda me eram desconhecidas, e fizemos amor duas vezes. Estivemos
conectados como há muito tempo não acontecia. De repente, eu o vi caído no
chão, todo suado, pálido, amparado pelo vaso sanitário sujo de sangue. Para
quem sempre o viu como uma espécie de deus, a imagem de um homem frágil e
vulnerável me foi muito chocante – eu sabia um pouco sobre os efeitos
colaterais de seu tratamento, e aquilo não fazia sentido.
Estarmos na ilha também não. E
fazer amor também não.
Ele, tendo um ataque de romantismo
seguido por um ataque de fúria – isso fazia ainda menos sentido.
O Monster que eu conhecia adorava
jogar charme como isca e ver se eu entrava na dele, para depois puxar a linha
de volta, sem me dar tempo suficiente para abocanhá-la. Ele tinha seu lado egoísta.
Mas não foi por ego que havia me levado àquela ilha. Havia algum outro motivo.
Eu só queria entender.
Por que era tão difícil aceitar que
aquele fosse apenas um gesto sincero de um tipo diferente de amor?
Porque ele não me amava. E eu tinha
plena consciência do fato. Por amá-lo, não poderia, no entanto, dizer não ao
convite – que foi meio que uma convocação.
Monster não me amava. Nunca sequer
fora apaixonado por mim. A visão dele a meu respeito era bem clara e resolvida:
somos amigos. E quero que sejamos amigos para sempre.
É claro que no fim daquelas
noitadas, às vezes perdíamos um pouco a noção e tentávamos algo mais ousado
como um beijo, mas era sempre desconcertante, porque eu queria um lado
romântico dele que nunca aflorava. Esperava pelo próximo passo, acreditando que
pudesse ser um abraço, mas era só um riso eufórico, ou um grito, desses que
damos quando estamos diante de algo extremamente excitante.
- Foda, Boo! Que noite foda!
Era isso.
Um beijo raso seguido de sua
euforia, típica dos excessos da noite.
Desta vez eu não precisei pedir o
beijo. Não precisei dar nenhum sinal. Ele quis cada um dos beijos que
aconteceram na ilha, avançou o sinal sem pudor algum, tirou a taça de vinho das
minhas mãos, me levou para a cama, beijamos como loucos. Até a boca se
avermelhar e inchar. Até não conseguirmos mais. E tudo me pareceu bom. Gostoso.
Ele quis. Ele QUIS.
Por que agora?
Tinha algo a ver com a cena do
banheiro – isso era certo.
Mesmo que ele não contasse que eu
pudesse ver nada daquilo, agora já era tarde.
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