quarta-feira, 15 de março de 2023

Jornada Íntima - capítulo 4

 

(música: Lisa Marie Presley, Just a dream)


Nossa tarde foi divertidíssima.

Ele realmente me surpreendeu com seu prato: peixe assado com legumes. O cheiro e o sabor estavam fantásticos. Nunca fui muito fã de peixes, especialmente assados, mas tive que dar o braço a torcer – ele acertou em cheio. 


Percebi que durante a tarde, ele resolveu beber um pouco mais, estava visivelmente alterado, mas engraçado como jamais o vira ser. Falamos sobre tudo, exatamente como fazíamos nos bons tempos. 
Pessoas, músicas, filmes, livros, nossas noitadas, adolescência... Um assunto levava a outro e assim a tarde caía.

A chuva não deu trégua, mas mal percebemos a noite chegar. Havíamos passado muitos dias em horas de conversas intermináveis, mas havia algo de diferente agora. Era como se tivéssemos realmente entrado no universo um do outro, ele me disse na noite anterior que queria que eu o conhecesse, e a sensação que eu tinha era que, pela primeira vez, estávamos vendo um ao outro sem aquele escudo protetor – havíamos derrubado os muros que cercavam os pontos mais delicados de nossas histórias – vivemos por anos em mundo paralelos, e estávamos enfim partilhando esses mundos, nas palavras dele, sem restrições.


Em alguns momentos, eu me pegava imaginando a saudade que sentiria depois de terminados aqueles curtos dias na ilha. 
Passamos então ao meu primeiro livro – “Até o coração trair”.


- Sabe como eu conheci seu livro, Boo?


- Nem faço ideia. Mas aí está – gostaria muito de saber, já que ele não foi publicado fora do país.


- Certa vez, estava de férias por aqui e resolvi fazer compras. Acabei indo parar num shopping. Não sou muito chegado a livrarias, mas naquele dia eu resolvi entrar. Vi seu nome por acaso, mas pensei que fosse apenas coincidência, não estava procurando nenhum tema específico. Voltei para a prateleira onde havia visto o seu nome e então me dei conta que não era um engano: a Srta Boo realmente havia lançado um livro!


- Que emocionante, não?


- Não subestime seu potencial, Boo...

 
- Não é isso. É que, você sabe, trata-se de um romance. Não é o assunto mais interessante para um homem. 


- Se eu não te conhecesse, talvez. Mas fiquei muito curioso. E me surpreendeu a semelhança que acabei encontrando em alguns de seus personagens.


- Tenho que tirar a inspiração de algum lugar...


- Fato. Mas, conte-me... Você reuniu mesmo alguns perfis de pessoas que já passaram pela sua vida, não?


- Eu costumava escrever textos com assuntos separados. Toda vez que sentia a inspiração vir, parava o que estava fazendo para escrever, a maioria ficava guardada em pastinhas separadas por temas. Então percebi que era possível reunir algumas histórias – dai veio a ideia de, de repente, fazer isso ter um começo, meio e fim.

Deu certo, ao que parece. O livro não é um Best seller, mas significou muito para mim. Diria até que foi uma espécie de exorcismo.


- Como tirar as histórias da sua cabeça e sentir que estava se livrando delas?
- Eu tinha muitos pensamentos. Minha mente me fazia entrar em um universo totalmente paralelo e qualquer evento externo me obrigava a sempre escrever mais e mais. É como se a realidade me desse a ideia e imediatamente, ela se tornasse assunto para mais um capitulo. Vai entender...
- Acho isso fantástico. Aliás, sempre admirei sua habilidade com as palavras.
- É uma pena que não funcione tão bem assim na vida real... Coleciono fracassos em relacionamentos por falar sempre mais do que devo. 


- Você coleciona fracassos ou falta de tentativas?


- Quando sinto que corro perigo, me afasto. Todas as pessoas normais tendem a se proteger. O meu problema é o próximo passo.


- O próximo passo seria se apaixonar?


- Exatamente. É como se a parte mais importante do meu cérebro fosse desligada. Tive uma primeira experiência ruim, um relacionamento pra lá de conturbado que me ensinou a auto preservação acima de tudo. Você me viu enciumada – eu literalmente surto.
- Já vi você com ciúme, mas perto de pessoas que conheci, até que você me pareceu bastante calma.


- É que em geral estávamos relativamente distantes, pelo menos distantes o suficiente para que você não pudesse perceber o nível da loucura.


- Eu entendo, embora não consiga ser assim. Não digo que não sinta ciúme, mas acho que no meu caso, é mais fácil de resolver. 


- Você não é ciumento... Ao menos não que eu tenha conseguido perceber nesses anos todos.


- Senti ciúme inumas vezes. Apenas reajo de forma diferente. Nesse ponto, tenho certo controle. Prefiro o silêncio. Esse sentimento passa, basta saber esperar.


- Depois dessa primeira experiência, sempre que senti ciúme, tentei sair de perto. Eu criei uma espécie de armadura – se me sentisse “ameaçada”, ao invés de deixar o sentimento me dominar, eu me fechava em meu mundo e deixava a vida seguir por dias, até que sentisse que era capaz de uma conversa normal, de pessoas adultas.

Infelizmente, no nosso caso, agi mal em quase todas as ocasiões.


- Acho que sei do que está falando...


- Sabe, sim.


- O que te deixava tão enciumada naquelas situações, afinal?


- Se analisar, verá que eu não estava totalmente errada. Você atravessava uma fase delicada e eu estava vinte e quatro horas por dia à sua inteira disposição. Às vezes nem era preciso dizer, eu sabia que precisava agir, tinha que fazer seu astral melhorar, precisava te ver de bom humor e não descansava até que finalmente arrancasse um sorriso seu.


- Verdade, Boo... Você foi fantástica, fez a diferença naquela fase obscura.


- E então comecei a ver seu progresso. As coisas estavam voltando ao normal, você já não parecia mais tão triste, mas, ao mesmo tempo, conforme melhorava, também percebi que você queria atrair a atenção daquele bando de mulher. Quando eu via sua reação diante de todo aquele flerte, era como se algo ruim me atingisse de imediato. Não entendia porque você fazia questão de flertar de volta, e me irritava ainda mais quando eu tentava te repreender “amigavelmente” e você me dizia para relaxar. 


- Achava hilário como você ficava brava comigo. Mas era de se esperar. Hoje talvez eu não agisse da mesma forma, só que naquela época, precisei mesmo atrair a atenção do universo feminino por ter acabado de sair de uma relação de anos – eu não sabia se ainda conseguia. Descobri que sim, e descobri rápido. 


- Foi aí que comecei a estragar tudo. Parecia engraçado no começo, eu sei. Só que depois fiquei insuportável.


- Confesso que naquele ponto, eu não soube mais como lidar com você. Sentia falta da leveza da nossa convivência.


- Eu também sentia falta, não era a mesma coisa sem você. Combinamos de falar tudo abertamente, certo?


- Certíssimo, Boo.


- Pois bem, Monster. Meu mundo ficou vazio sem você por perto, e eu tinha total consciência de que só havíamos chegado àquele ponto por conta das minhas crises.


- Fez falta para mim também, embora eu ainda te acompanhasse à distância.


- Pelo site?


- Pelo site, pelas redes sociais... Eu era mais corajoso que você. E sempre acabava lendo algo que tinha algo a ver comigo. Você deixava mensagens lá que pareciam ter sido escritas para mim.


- E eram, mesmo.


- Eu sabia! 


- Essa se tornou a única forma de falar com você.


- A melhor parte é que isso tudo já passou. Nós estamos aqui, a noite está apenas começando e ainda temos cinco dias pela frente.


- Não te agradeci ainda...


- E não me agradeça. Ainda não terminou.


- Mas já está perfeito.


- Eu concordo. 


Conseguimos enfim, levar um assunto mais sério, que motivou nosso distanciamento, sem interrupção, e de forma tranquila. Parecia muito fácil agora que ele estava diante de mim.

Sem mencionar o fato de que ele me olhava o tempo todo como se estivesse lendo tudo que se passava dentro de mim. Parecia inútil dar uma versão diferente.


A noite chegou fria e chuvosa. Eu estava pouco me importando com o clima, até fiquei feliz por não podermos sair do chalé.
Deixamos novamente tudo em ordem na cozinha – parecia combinado: eu lavando, ele enxugando e guardando, sempre com música de fundo. Vez ou outra nós cantávamos trechos juntos. Tínhamos um set list bastante vasto, e ele trouxe um arsenal musical de fazer inveja. 


- E agora, parceiro? 


- E agora eu vou pro banho, parceira. Quer se juntar a mim?


Fiquei tímida de repente.


- Ah, acho que não é uma boa idéia... E eu já tomei banho, enfim...


- Já te vi sem roupa, Boo... Relaxa, é só um banho!


- Eu acho melhor você tomar esse banho sozinho hoje... Quem sabe até o fim da semana...


- Não sabe o que está perdendo.


- Faço ideia... Vai logo pro seu banho e pare de me dar ideia errada, Monster.


- Você é quem manda... 


Deixei que ele fosse pro banho sozinho, embora meus instintos me fizessem crer que aquela era a decisão mais idiota que eu podia ter tomado. Não me sentia à vontade, sempre falamos tanto a respeito de nossas experiências, fiquei com medo de ser comparada a alguma outra mulher que soubesse tomar um banho de forma mais “sexy” que eu – e além disso, eu era o desastre em vida. Tropeços, quedas, coisas quebradas e outros vexames faziam parte da minha vida.
Fui para a varanda do chalé para fumar.

 

Havia muito para pensar e aquele ainda era nosso segundo dia juntos. Nossa convivência pareceu tão natural, como se já tivéssemos feito coisas do gênero dezenas de vezes antes. E isso era estranho, definitivamente. 


“Um mundo tão grande, e onde é que viemos parar... Como ele pensou nisso?”


Aumentei o volume da música e aproveitei para encher uma taça com aquele vinho delicioso que tomamos durante o almoço.
Voltei para a varanda para mais um cigarro e me sentei numa das cadeiras que havia por lá. Não me cansava daquela paisagem: tudo em volta de nós era oceano – um mar de tranquilidade que atingia a alma. 


Estávamos longe do mundo, sem conexão com a internet e sem sinal no celular, não havia incômodo de espécie alguma. Éramos a distração um do outro e até aquele momento, bastava para nós.
Antes que caísse num cochilo, ouvi Monster me chamando para dentro.
- Boo... Está frio aí.


- Estou entrando...


Voltei calmamente e me deparei com Monster ainda de toalha, cabelo molhado e... Bem, aquele olhar que sempre me tirou o fôlego.
Meu coração imediatamente respondeu à visão com batimentos acelerados.
Ele veio em minha direção, tirou a taça da minha mão e quando percebi, já estávamos colados um no outro, num beijo outra vez intenso. Suas mãos agiam rápido para me despir, e nessa dança fizemos nosso caminho até a cama. Monster se posicionou sobre mim, e, com a boca colada em meu ouvido, pediu que eu esquecesse o mundo e me “concentrasse em nós”.


Invertemos a posição de nossos corpos e foi a minha vez de pedir a ele que me deixasse “brincar”.


Explorei cada centímetro de seu corpo com a língua e aos poucos fui aprendendo quais eram as áreas mais sensíveis – e me concentrei nelas.

Monster respondia com sussurros, enquanto suas mãos tentavam agarrar o que estivesse por perto.

Cheguei então ao seu sexo e fiquei longos minutos ali, e quanto mais os movimentos se repetiam, mais ele sussurrava e eu me perdia em excitação.


Subi lentamente entre beijos e pequenas lambidas em seu peito até chegar à boca – mais beijos, mordidas nos lábios, eu me dividia entre sua boca e seu pescoço, enquanto ele me abraçava com força. 
Invertemos novamente nossas posições e foi a vez dele de me percorrer. Mas minha sede era muita, então movi meu corpo de forma a termos acesso a ambos os sexos. 


Perfeita sincronia – nossas bocas e nossas respostas em igual prazer. 
Quando voltamos à posição original, ele parecia uma máquina em potência máxima me penetrando com força. Estávamos a um passo do clímax.

 
Enterrou seu rosto em meu pescoço e então voltou-se em direção do meu rosto para um beijo. E enquanto nos beijávamos, sentíamos os espasmos do clímax. Aos poucos, a urgência dava lugar à respiração ofegante e era possível sentir os corações de ambos num batimento frenético. 


Finalmente, Monster se deitou ao meu lado, posicionando o braço abaixo de meu pescoço. 

- O que foi isso, mulher?


- Eu te faço a mesma pergunta, querido...


Rimos daquela pergunta retórica. Estava claro que éramos compatíveis sexualmente. 


- Sabe... Na época mais complicada do meu tratamento, estávamos em contato direto e você costumava chegar toda animada contando como tinha sido sua noite. 


- Alta como uma pipa...


- Sim, e era o máximo. Você me fazia viajar com as histórias engraçadas que contava. Eu não podia fazer nada daquilo, mas a sua forma de contar me permitia entrar no meio daquela loucura toda, eu meio que vivia sua vida enquanto você me dava todos os detalhes. 
- Eu queria que você pudesse estar comigo naquelas noites de farra. 
- De certa forma, eu estava.


- Estava... Eu dava um jeito de você participar.


- Boo... Quando eu disse que meus sentimentos por você estavam intactos apesar de toda aquela confusão, era verdade. 


- Fico feliz em saber disso.

- Meu outro lado.

- Sim... Seu outro lado...A música parou e nós também ficamos em silêncio, apenas ouvindo a chuva cair do lado de fora. Se pudesse escolher um momento para eternizar, esse seria o ideal. 

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